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“DIREITO É APENAS UM PONTO DE VISTA SOBRE A JUSTIÇA”

Com mais de 50 anos de atuação, advogado e colunista do JTV expõe seus pontos de vista

Por Fernando Brocchi

Referência na advocacia de Valinhos e região, Dr. Wilson Vilela, além de renomado advogado há mais de 50 anos, é também colunista do Jornal Terceira Visão. Dono de raro vocabulário e agradável prosa, ele concedeu uma entrevista especial no nosso estúdio falando sobre sua experiência e posições a respeito da sociedade.

O senhor chegou à data simbólica de 75 anos. Quantos desses o senhor pode dizer que foram dedicados à Justiça?

É uma pergunta que exige muita reflexão. Acredito que desde que eu tenha adquirido uma consciência crítica, posso dizer que mais da metade da

minha existência. 50 anos, no mínimo. Meio século. Porque desde que eu comecei a trabalhar no Poder Público, e inclusive em cargos de certa relevância, você começa a ter que tomar decisões que envolvem a questão da justiça. É desnecessário dizer que estas decisões sempre implicam em reflexos para a comunidade.

O senhor considera que a injustiça social é um dos principais problemas do nosso país? Afinal, por que o Brasil pune tanto os menos favorecidos e deixa impune tantos flagrantes contra a nação?

Então, acho que essa é uma questão social, evidentemente, mas também cultural. Esse é o nosso o nosso país. E ele tem arraigado uma cultura cartorária. Desde a colonização, quando Dom João VI chega aqui no Brasil e,

veja bem, muita gente fala mal da nossa colonização. Não tem que falar nada. Até porque meu avô era português por parte de pai. Álvaro Gomes Alves Vilela.

A gente tinha o hábito, veja que interessante, de ir com a petição, se debruçar na mesa e falar no ouvido do juiz. Da onde que vem isso? Vem da corte portuguesa, que era tipicamente estruturada em nome da religiosidade. Havia todo um rapa-pé ali perante a autoridade. E o Brasil não se libertou disso.

Essa estrutura social nossa é muito viciada. Um país com imensas possibilidades, de recursos naturais, não era para ter essa distribuição de renda tão flagrantemente diferenciada. A injustiça social decorre de todos esses fatores.

40% dos mais de 622 mil presos no Brasil ainda aguardam julgamento. Isso é apenas morosidade na Justiça no julgamento ou o senhor acha que há também o fator de discriminação social nesse cenário?

Acho que é uma combinação de tudo. Nós precisávamos reviver uma série de conceitos, rever a nossa justiça. Hoje em dia o novo Código de Processo Civil tem uma preocupação com custas. É difícil o juiz deferir o pedido de conceder a justiça gratuita. Ele também está preso a certas normas das quais ele não pode fugir. Ele tem que obedecer a essas normas, e aí ela passa a adquirir um caráter mais técnico. Ela se desumaniza.

Santo Agostinho dizia que não existe justiça sem caridade. Mas não é o que se vê. Nós vemos uma frieza extraordinária. Aliás eu acho que o Tribunal de Justiça devia mudar de nome. Podia se chamar Tribunal de Direito. Porque, de Justiça, não é certamente. Direito é apenas um ponto de vista sobre a Justiça. E do meu modestíssimo ponto de vista, ela deve ser moral.

Como o senhor aplica a sua sensibilidade humana e rigor jurídico em seus trabalhos?

Com o tempo você vai adquirindo mais sensibilidade, e entende os rigores de um pai que está impedido de ver o filho, alienação parental, uma mãe que usa

criança para brigar com o pai ou vice-versa. Observo que as faculdades, as

escolas, não estão mais dando atenção às humanidades, às ciências humanas

propriamente ditas. Parece que está se privilegiando a técnica em função da humanidade mesmo. Percebo que os julgamentos são cada vez mais impessoais.

A impunidade é um problema que tem solução no Brasil? Como agir por vias jurídicas nessa questão?

Na verdade, o sistema todo precisa ser modificado. Mas, será? Lógico que não.  A gente vem de uma estrutura arcaica cartorária. Enquanto o Congresso não for um Congresso, enquanto o povo não tiver educação, não souber escolher seus deputados e senadores, nós vamos ficar reféns dessas situações.

Posturas políticas e comportamento social devem refletir nas leis ou o contrário?

O processo judicial é uma batalha onde as armas têm que ser iguais e a oportunidade de defesa deve ser deve ter a mesma potencialidade da oportunidade do ataque. Agora, o direito tem que ser dinâmico. Ele deve refletir os fatos sociais.

Tudo isso é derivado da nossa situação social, da nossa má distribuição de renda, e, sobretudo, da nossa falta de educação. A educação formal. Se fôssemos um povo educado, nós não nos venderíamos por um sanduíche

de mortadela ou por uma bolsa-família.

Como podemos ter um país com menos desigualdade e, de fato, combater a injustiça conforme celebra a data do dia 23 agosto?

Nós devemos combater a injustiça com justiça, com a aplicação da Justiça. Mas isso implica na aplicação de uma justiça social, de uma melhor distribuição de renda.

Eu não sou muito a favor das cotas. Mas vejo que elas são necessárias. Sou favorável a uma massificação de cursos profissionalizantes. Universidade é para a produção de conhecimento. Devemos investir na educação de base.

Qual legado no campo do Direito que o senhor gostaria de deixar?

No serviço público eu já deixei algum legado. Na época que me formei, em 1972, não era Direito ainda, era faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da PUC de Campinas. Posteriormente, fiz especialização e mestrado na PUC de São Paulo. Fiz mestrado em outras áreas também.

Acho que, de qualquer forma, no meu entendimento, lamento por a Justiça estar  radicalizada e desumanizada.

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