AOS 63 ANOS, CATADOR CARREGA QUASE 200KG DE RECICLÁVEIS E ESPERANÇA

‘Figurinha carimbada’ na cidade, Gabriel Gonçalves recicla dificuldades

Por Bruno Marques

Sim, você já viu ele ou o “carrinho” dele por aí. Sua carroça tem placa, ele tem nome, tem história, e ela começa quando o popular “Negão da Carrocinha” nasceu em 25 de agosto de 1959. “Nasci na antiga Fazenda Sant’Ana, do Manelito, em Vinhedo. Mas hoje já virou tudo condomínio por lá”, lembrou Gabriel Sebastião Gonçalves.

“Faz quatro anos que comecei como catador com a carrocinha. Não foi por opção”, contou

Franzino pelas condições à marginalidade, mas incansável pela necessidade de sobreviver, ele é franco ao dizer pontos críticos como a separação dos seus pais quando tinha 12 anos. Terceiro filho de sete irmãos, teve então que parar de estudar para cuidar dos menores enquanto sua mãe trabalhava. E o trabalho, como bom virginiano, sempre permeou sua vida.

Começou nas ruas como sorveteiro

“Ainda jovem, trabalhei de engraxate e também na sorveteria do Angelim (Sorveteria Ideal). Saí de Vinhedo em 1978 e fiquei como ajudante de caminhão por três anos na Rápido Valinhense”. Mas, as labutas diárias – por mais árduas que sejam – não nos poupam dos golpes que a vida dá. “Perdi minha mãe há 12 anos e meu pai há seis”, contou Gabriel cabisbaixo. A morte também levou dois dos seus irmãos mais novos.

E as perdas, implacavelmente deixam suas marcas. “Tive minhas fases em que passei a beber, fumar, usar drogas em bares e noitadas”, admitiu. Mas, aos poucos, foi se recuperando. Contudo, com a idade avançando, além do preconceito e discriminação, não tinha mais oportunidade de emprego. “Faz quatro anos que comecei como catador com a carrocinha. Não foi por opção”, disse olhando com lamento para onde era o antigo PAT – Posto de Atendimento ao Trabalhador.

Tenho que fazer isso todo dia pra poder comer e pagar o aluguel. Gabriel carrega uma carrocinha catando materiais recicláveis pela rua. “Do Centro, subo a Avenida dos Esportes e meio-dia chego no Salomão, volto e levo o que consegui na reciclagem. Em média, consigo uns R$ 70. Uns dias dá mais, outros dá menos…”, relatou. Ao todo, são mais de 5 quilômetros puxando uma carroça com mais de 130 kg, cinco, às vezes seis dias por semana do início da manhã até o fim da tarde. Gabriel tem 63 anos.

Jô, Marvin Gaye e Elton John

Já tacaram fogo na sua primeira carrocinha. “É melhor eu nem saber quem foi”, disse Gabriel com raiva, mas sem mostrar os dentes porque não os tem. “Preciso dos dentes pra comer carne. O Dr. Nilton vai fazer um precinho bom. Eu limpo os vidros da clínica dele”, confiou o carreteiro.

Em sua rota difícil e solitária, Gabriel tem uma companhia especial. É o cãozinho Jô, nome que vem do jogador do Corinthians, time do seu coração, mas que tem lhe desapontado: “Hoje tá ruim, tá feio. Só vejo o resultado”. Além de futebol, o carroceiro também gosta de música: “gosto muito de Marvin Gaye e Elton John”.

Pilotar uma carroça pesada numa cidade cheia de desníveis como Valinhos exige algo além de muita força. Há de se olhar sempre para frente. E é o que Gabriel faz: “Quero arrumar uma carrocinha melhor, ou um engate, e abrir minha própria empresa de reciclagem. E quem sabe ser candidato a vereador. As frases eu já tenho: Não vote em branco, vote no Negão da Carrocinha. Não jogue seu voto no lixo. Vote em mim que eu reciclo!”

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