Valinhos, até quando vamos fingir que não tivemos negros?

No último dia 20, marcamos o Dia da Consciência Negra — uma data que deveria servir para reflexão, memória e coragem. Mas, em Valinhos, o silêncio ainda fala mais alto do que qualquer debate público. A cidade que cresceu sobre antigas fazendas de café, que se orgulha de sua hospitalidade e de seu mosaico de imigrantes, segue contabilizando um débito histórico vergonhoso: não reconhece seus negros.

É fato. A história oficial de Valinhos exalta italianos, dá destaque aos japoneses, ergue monumentos a ícones culturais como Adoniran Barbosa, celebra arquitetos, construtores, imigrantes, sonhadores. Mas quando se trata daqueles que estavam aqui antes de todos — os negros e indígenas — o que encontramos?

Quase nada.
Um deserto de memória.
Um apagamento tão profundo que chega a constranger.

A cidade possui uma única praça com o nome de Zumbi dos Palmares. Um símbolo nacional, é verdade. Mas é também uma lembrança incômoda: homenageamos Zumbi do Brasil, mas sequer sabemos quem foi o “Zumbi” de Valinhos. Onde estão os nomes dos escravizados que viveram, trabalharam, resistiram e foram enterrados nesta terra? Onde estão as histórias das famílias negras que ergueram tijolos, construíram estradas, cozinharam, amamentaram, lavraram a terra que deu origem à economia do café que sustentou esta região?

Por que não sabemos seus nomes?
Por que não ensinamos suas trajetórias?
Por que não existem marcos, placas, memoriais, ruas, estátuas?

Será por falta de registros?
Ou será por falta de vontade?

Durante décadas, a história de Valinhos foi contada pela metade — e sempre pelo viés mais confortável. Os escravizados existiram, sofreram, resistiram e contribuíram para tudo o que aqui se tornou cidade. Mas seus passos foram apagados, seus nomes não foram preservados, suas vozes não foram registradas. E quando uma comunidade não olha para sua própria ferida, ela se acostuma com o esquecimento.

Como diria Elza Soares em “A Carne”:
“A carne mais barata do mercado é a carne negra.”
E, por muito tempo, foi assim também na terra do figo, das fazendas, das Casas Grandes.

Jorge Aragão lembra:
“O povo negro te abraça, mas não aceita esse erro.”

Chegou a hora de Valinhos parar de aceitar.

Que os historiadores pesquisem o que foi varrido para longe.
Que as escolas reconstruam a memória que faltou.
Que os arquivos sejam abertos, revisados, investigados.
Que a comunidade se pergunte, com honestidade e incômodo:

Se Zumbi foi homenageado nacionalmente, quem foi o Zumbi de Valinhos?
Quem carregou as correntes?
Quem sangrou nesta terra?
Quem resistiu nas sombras, enquanto a história oficial só brilhava para alguns?

Valinhos precisa encarar o que escondeu.
Porque a consciência só existe quando há coragem de olhar para a verdade inteira.

E, neste momento, a maior verdade é esta:
os negros de Valinhos existem — faltam apenas os nomes, o reconhecimento e o respeito.

Quer saber as últimas notícias de Valinhos, siga o nosso Instagram: https:// .instagram.com/jornalterceiravisao/

Leia anterior

Ladrão procurado invade casa, agride moradora e é preso após usar cartões da vítima

Leia a seguir

Capela recebe novas redes de água e obras avançam em três ruas, saiba quais são: