News

Bandarada Disparanda

Não, caros leitores. Vocês não precisam ligar na redação do JTV para informar sobre um erro no título deste artigo.

Antes que o assunto polarize, eu explico.

Há uns dias, assisti no Globoplay a série documental em seis episódios, “Noites de Festival”, de 2020, dirigida por Renato Terra e Ricardo Calil, para o Canal Brasil e que apresenta trechos inéditos de entrevistas gravadas originalmente para o filme “Uma Noite em 67”.

Nos episódios, a história dos antigos festivais da MPB que foram realizados na extinta TV Excelsior, — precursora em 1965 — TV Record a partir de 1966 e posteriormente também pela Globo — em modelo internacional — é contada por nomes como Chico Buarque, Jair Rodrigues, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nana Caymmi, Zuza Homem de Mello — que serviu de fonte direta para elaboração da produção, com seu livro “A Era dos Festivais – Uma Parábola”, de sua autoria, Ferreira Gullar, Nelson Motta e outros grandes.

Todos os episódios são recheados de boas histórias, que ultrapassam as canções e contam muito sobre o Brasil e parte dos anos de ditadura, — que Zeus nos livre de voltar — em nosso país.

Num dos trechos, a jornalista Tellé Cardim, figura conhecida por inúmeros nomes de nossa música popular e do teatro, forjou a expressão “Bandarada Disparanda”, ao referir-se à acirradíssima disputa entre “Disparada”, de Téo de Barros e Geraldo Vandré, interpretada pelo imenso Jair Rodrigues e “A Banda”, autoria de Chico Buarque, cantada por ele ao lado de Nara Leão no II Festival da Canção de 1966, na Record.

Tellé Cardim, torcedora e destaque na organização das torcidas que defendiam as canções que se posicionavam mais fortemente contrárias ao regime militar imposto à época, desenhou, com perfeição, a passional disputa entre as duas canções, num teatro divido ao meio, onde era impossível saber quem levaria o primeiro lugar naquele ano.

A canção “Disparada” carregava certo afronte à ditatura, — “… porque gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente. Se você não concordar, não posso me desculpar…” — enquanto “A Banda” dizia: “Estava à toa na vida, O meu amor me chamou, Pra ver a banda passar, Cantando coisas de amor / A minha gente sofrida, Despediu-se da dor, pra ver a banda passar, Cantando coisas de amor…”, de um Chico que buscava levar certa alegria ao público oprimido e não queria se expor tanto, contra o já percebido endurecimento do regime vigente.

A verdade é que, para mim, ficou claro que aquilo que chamamos, hoje, de polarização, sempre existiu. Geofísica, futebolística, literária, teatral, musical, científica, religiosa, gastronômica, econômica, política… Não há nada que seja apolar.

Nos episódios de “Noites de Festival”, não faltam relatos sobre o clima de “rivalidade” das torcidas, como, por exemplo, a noite em que Tom Jobim foi atacado com latas de cerveja na premiação de “Sabiá”, canção dele e de Chico Buarque, — 1° lugar no festival de 1968 — que deixou em 2° o brado, “Pra não dizer que não falei das flores”, que seria elevado a hino de resistência e revolta contra a ditadura, que se tornaria ainda mais sombria e violenta a partir do AI-5, de 13 de dezembro, daquele mesmo ano, — “Página infeliz de nossa história, Passagem desbotada na memória, das nossas novas gerações”.

Ocorre que a polarização, tida como vilã de nossos tempos, como se fosse a causa e não um efeito, sempre permeou todas as questões humanas, em especial, as políticas.

Assim como nos antigos festivais, onde os donos do “show business” perceberam que lotar o Maracanãzinho, com mais de 10 mil torcedores inflamados, dava Ibope, — sinônimo de engajamento, em nossos dias — as redes sociais e seus algoritmos tornaram-se especializados em acirrar os ânimos e não se importam com as latas de cerveja lançadas, desde que bem monetizados.

Precisamos encontrar um meio, que não será aquele de 1966, ao premiar “Disparada” e “A Banda”, com um empate no primeiro lugar. Uma alternativa que não gere o fim de uma era democrática, nem traga de volta as sombras de uma censura abusiva e antidemocrática para o Brasil.

Cabe-nos encontrar uma forma de eliminar qualquer possibilidade de disseminação de mentiras — Fake News — onde quer que ocorram.

Quanto à desinformação, — distinta das Fake News — que com meias verdades tange indecisos cordões, nossa missão é bem mais árdua e complexa. Precisaremos de muita educação política e espíritos dispostos a solidificar o Estado Democrático de Direito em nosso país.

Neste ano, haverá um festival nacional eleitoral, repleto de postulantes a prefeitos e vereadores, cada um com suas canções a concorrer.

Saibamos ouvir, com nossos mais atentos e refinados ouvidos, cada tom, cada som de campanha.

Não lancemos latas contra as urnas, sob risco, em pesadelo, de não mais tê-las, ou podê-las ouvir, como em tão recente passado, quase ocorreu.

Viva os festivais!

Leia anterior

Reparo emergencial em andamento na Rua Domingos Tordin

Leia a seguir

Aniversário de Valinhos