Redução de 83% no financiamento afeta programas de saúde em mais de 60 países e ameaça duas décadas de avanços; crianças são as mais impactadas


Um estudo publicado pela revista científica The Lancet revelou que a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de reduzir drasticamente o financiamento americano à ajuda humanitária internacional pode resultar em mais de 14 milhões de mortes adicionais até 2030, sendo um terço entre crianças com menos de cinco anos.
De acordo com os pesquisadores, os cortes de 83% nos programas da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), anunciados desde março, provocam um impacto comparável ao de uma pandemia global ou de um grande conflito armado em países de baixa e média renda.
“Esses cortes representam o risco de interromper abruptamente – e até reverter – duas décadas de avanços em saúde entre populações vulneráveis”, alerta Davide Rasella, coautor do estudo e pesquisador do Instituto de Saúde Global de Barcelona.
Mortes evitáveis e impacto em crianças
A análise, que utilizou dados de 133 países, mostra que os investimentos da USAID evitaram aproximadamente 91 milhões de mortes entre 2001 e 2021. Caso os cortes sejam mantidos, a projeção é de 14 milhões de mortes evitáveis até 2030, entre elas 4,5 milhões de crianças com menos de cinco anos — o equivalente a 700 mil mortes infantis por ano.
Justificativas e reação internacional
A decisão do governo Trump, que seguiu uma política de redução de gastos federais liderada por Elon Musk, foi justificada por alegações de fraude e mau uso de recursos em programas da USAID. Segundo o secretário de Estado Marco Rubio, mais de 80% dos programas foram cancelados, e os que restam — cerca de mil — passarão a ser gerenciados diretamente pelo Departamento de Estado, com supervisão do Congresso.
O estudo foi divulgado durante a maior conferência da ONU sobre ajuda internacional dos últimos dez anos, realizada em Sevilha, na Espanha, e que reuniu líderes de dezenas de países.
Situação crítica em campo
Enquanto isso, organizações humanitárias alertam para o agravamento da crise. Um funcionário da ONU relatou à BBC que, após os cortes, centenas de milhares de pessoas estão morrendo de fome lentamente em campos de refugiados no Quênia, onde a redução de recursos resultou na pior escassez de alimentos já registrada.
Em um hospital da região de Kakuma, no noroeste do país, a BBC acompanhou o caso de um bebê em estado grave de desnutrição, com a pele enrugada e sinais de debilidade extrema.