Da filosofia de Spinoza ao sorriso silencioso de Einstein: o Deus que habita o instante


Hoje eu encontrei Deus.
Não aquele que vigia do alto, nem o que empunha decretos invisíveis sobre o destino dos homens. Encontrei o Deus que sempre esteve sentado no mesmo café onde escrevo minhas dúvidas e bebo minhas manhãs.
Mas eu nunca O tinha visto. Ou melhor: nunca tinha parado o suficiente para vê-Lo.
Ele segurava a xícara com as duas mãos, como quem aquece mais o silêncio do que o café.
O vapor subia lento — tão lento quanto os pensamentos que não querem ser apressados.
Quando ergueu os olhos, havia neles algo que parecia perguntar:
Então? O que você deseja realmente saber?
Respirei fundo, como quem mergulha no próprio abismo.
— Por que a vida dói tanto se há beleza em tudo?
Ele inclinou a cabeça, como quem observa um rio correndo para dentro de si, e respondeu:
— Porque vocês tratam a dor como inimiga. Mas ela é apenas a fresta por onde entra a compreensão.
— E a alegria? — arrisquei.
— Não é prêmio. É lucidez. Alegria é quando a consciência acorda.
— E a saudade?
Ele fechou os olhos por um instante. Parecia sentir também.
— A saudade é a marca do que foi verdadeiro. Você só sentirá falta daquilo que tocou de fato.
Fiquei em silêncio, embriagado por uma verdade que não precisava de explicação. Mas ousei mais uma pergunta:
— E por que tantas perdas?
Ele sorriu com uma ternura que a própria natureza aprenderia com Ele.
— Porque a permanência é um mito humano. Tudo é movimento disfarçado de forma.
Meu café ainda fumegava. A vida também.
— Então… o que é viver bem?
Ele não respondeu. Sorriu. E daquele sorriso — mais gesto do que palavra — nasceu algo que não coube na mesa, no café, nem no mundo visível. Era como se dissesse que viver bem é perceber o milagre do instante sem sequestrá-lo com expectativas.
Arrisquei minha última curiosidade:
— Onde Você mora?
— Onde você para de correr. Onde você escuta. Onde você sente sem levantar muralhas.
Ficamos quietos. E o silêncio, esse velho sábio, fez seu trabalho.
Quando me levantei, Ele não estava mais ali. Por um instante, pensei que o encontro tivesse terminado — até perceber, ao sair do café, que certas presenças não partem: apenas mudam de forma.
Na porta, esbarrei num senhor.
— Não tem problema, meu filho — disse ele, com um sorriso tão leve quanto o do próprio universo se ajeitando no lugar.
E naquele tom simples havia algo que não se ensina: uma espécie de eternidade mansa. Foi quando intuí que Ele não estava ausente. Talvez só tivesse trocado de voz.
Caminhei pelo dia. Uma barraca cheia de frutas coloridas brilhou sob o sol: Deus estava ali.
O riso livre de uma criança abriu o ar: Deus estava ali. A brisa passando sem pedir permissão tocou meu rosto: Deus estava ali.
Então, pouco a pouco, sem espetáculo nem anúncio, a verdade se acomodou dentro de mim: Ele não tinha sumido — tinha se espalhado. Em tudo. Em todos. E, silenciosamente, em mim.
À noite, repousando em minha cama, algo em mim amanheceu. Alcancei, enfim, o Deus que Spinoza descreveu — infinito, imanente, inseparável do que existe.
Vislumbrei também o Deus que fez Einstein sorrir: não um legislador celeste, mas a harmonia silenciosa que mantém estrelas em órbita e pensamentos em poesia. Deus não era figura. Era consciência desperta, natureza em ato, ordem e maravilhamento. Era a parte de mim que ainda sabe sentir. A parte do universo que insiste em respirar dentro de cada coisa. E ali, sem frase, sem teologia, sem esforço, eu finalmente percebi: Deus está — porque tudo está. Deus existe — porque tudo existe. Deus somos nós quando paramos de correr.
E naquela noite, quando o quarto mergulhou no escuro e o mundo, lá fora, respirava devagar, senti algo acender dentro de mim — não uma luz, mas uma clareira. Como se o universo, cansado de falar em idiomas que eu não entendia, decidisse enfim sussurrar no silêncio.
Então soube: Deus não é quem responde — é o que permanece quando todas as perguntas se calam. É o intervalo entre um pensamento e outro, o gesto que antecede a bondade e a vibração secreta que sustenta o instante. Deus é a respiração do real. É o fio invisível que cose o caos em desenho. É o toque do mundo quando não estamos distraídos.
E ali, deitado no escuro, descobri que a eternidade não mora longe: ela pousa no minuto, descalça, sem alarde. E quando se revela, não faz ruído — apenas abre as janelas da alma para que o vento entre e diga:
“Eu estava aqui o tempo todo.”