

Por Mila Nascimento
Pedro, meu filho caçula de 12 anos, soltou esse desabafo na mesa de jantar.
Eu havia chegado de um evento sobre 8 de Março, onde compus uma mesa de debate como sexóloga e estava comentando com meus três filhos, sobre tudo que foi apresentado, pontos de vista, estatísticas.
E nesta semana em que a pauta de violência contra a mulher veio fortemente à tona, lembrei-da ocasião.
Em nossa casa, o assunto é frequentemente discutido por mim tanto quanto sobrevivente desse tipo de crime, como também como mãe, que prioriza conscientizar meus filhos sobre o problema.
Isabela e Manuela, minhas filhas de 14 e 20 anos , estão fortemente conectadas ao tema e repletas de argumentos de defesa.
Pedro, nunca havia dito nada além de apenas concordância. Pela primeira vez, ele acabou apresentando um outro ponto de vista.
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No momento, pensei no tanto que NÃO falamos com os nossos filhos, sobrinhos, netos. No tanto que falhamos em ouví-los.
Os igualamos aos adultos, na velha máxima de que “todo homem é igual” e na medida em que fazemos isso, negligenciamos suas necessidades, seu desejo de ser diferente.
O discurso de proteção contra violência vem sendo, há anos, voltado exclusivamente para meninas e mulheres e o resultado é maravilhoso, pois as mulheres de hoje são conscientes do que querem e do que não aceitam para si mesmas.
Elas são capazes de criar redes de apoio, são protegidas por leis e podem usufruir de liberdades, nunca antes imaginadas por nossas mães e avós.
Mas e os meninos? Quem fala com eles? Quem alerta sobre quebra de padrão de comportamento? Quem os ensina a desenvolver questionamento crítico sobre seus pais e a forma como suas mães e irmãs são tratadas dentro de casa?
Quantas de nós insistimos para nossos filhos homens lavarem a louça do almoço de domingo? Quantas de nós exige que eles limpem seu quarto, lavem seu tênis ou até mesmo o banheiro que usam?
Não damos bonecas para eles brincarem e negligenciamos sua formação enquanto futuros pais.
Os presenteamos com armas, carrinhos velozes e depois choramos sua morte por causas violentas.
Quantas de nós questiona o comportamento de uma garota por suas roupas e o jeito delas se relacionarem com meninos, sem atentar que ao fazer isso, estamos cultivando em nossos filhos, a cultura de estupro?
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No início do ano, a série Adolescência da NETFLIX, trouxe para as telas e redes sociais a discussão sobre como os meninos estão sendo estimulados pela cultura red pill.
In cells e manosfera estão sentados à mesa e dividem nosso jantar todos os dias, no fone de ouvido que nossos meninos ouvem e que nem percebemos porque, afinal é normal pensarmos “Deixa ele! isso é coisa de moleque! Depois passa.”
O problema é que não passa.
Isso não passa, não acaba. Na verdade, só piora.
E se antes, mulheres eram violentadas e mortas, sem nem saber o que estava acontecendo, sem conseguir reagir; hoje meninas continuam sendo violentadas e caladas, com critérios de crueldade por representarem uma ameaça à supremacia misógina.
É URGENTE a necessidade de conversar com os homens sobre o tema, de propor reflexões para pais e mães sobre a forma como estão criando seus filhos homens, além de fortalecer a proteção para meninas e mulheres.
Pensar que o moleque violento é apenas atentado – como dizia dona Aldenora, minha finada avó – e que ele vai tomar jeito quando se tornar pai de família; beira à negligência por nossa parte.
Nossos meninos sentem medo, vontade de chorar, vontade de conversar sobre seus problemas.
Eles também tem insegurança quanto ao corpo, ficam imaginando como será seu primeiro beijo ou sua primeira vez e se apaixonam.
Eles não saberão usar um preservativo se ninguém ensinar. Eles sentem dor nas mamas durante a puberdade, tem medo de falhar e talvez queiram apenas conversar com quem brigou com eles na escola, sem necessariamente bater para não apanhar.
Eles certamente sonham com a primeira vez muito diferente do que seus primos ou irmãos mais velhos assistem no X-vídeos, mas desistem porque a conversa em casa os faz acreditar que isso é coisa de “moleque frouxo”
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Nossos meninos estão em formação, assim como as nossas meninas.
Ambos precisam de acolhimento, escuta, atenção e recursos para construírem uma auto-estima firme e livre de preconceitos.
O combate à violência contra mulher inclui criar meninos com recursos que os permitam tornarem-se homens não abusivos.
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Heráclito já dizia que nada é mais definitivo que a mudança.
MILA NASCIMENTO é mãe de três. Médica endocrinologista, sexóloga e emergencista como Dra Camila Leite, e escrevedora como Mila Nascimento. Sobrevivente de violência doméstica grave, transformou sua dor em poesia. Em 2022 foi premiada na categoria Poesia Nacional do 57º FEMUP. É autora de “Poemas paridos de cócoras – porque assim dói menos” (Minimalismos, 2023), de “Poemas para antes do banho, durante o café e depois do abandono” (Patuá, 2023) e de “Poemas de amor e outras taquicardias” (Minimalismos, 2025). Mila também é idealizadora dos clubes de leitura e reflexão de gênero Capitolinas e Não Bentos.
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