Rir é Coisa Séria (principalmente na política)

Por que a gargalhada, quando bem dosada, vale mais que mil discursos inflamados

                Política é coisa séria. Mas nem por isso precisa ser cara fechada o tempo todo, como se Brasília fosse uma convenção permanente de estátuas de mármore. Séria, aliás, até demais: Brasília às vezes parece um grande velório sem defunto, onde ninguém ousa sorrir para não ser acusado de frivolidade.

                Está faltando humor — aquele ingrediente que não compromete a seriedade, mas revela inteligência, segurança e até uma rara qualidade chamada “tolerância”. Churchill, por exemplo, governava em tempos sombrios, enfrentava bombas, e ainda assim arrumava espaço para piadas. Aqui, basta enfrentar uma entrevista coletiva que já é preciso convocar “war room”, consultoria de crise e, se bobear, uma novena. Qualquer frase fora do script vira tragédia shakespeariana em rede social. O resultado? O político, antes humano, vira um robô de PowerPoint.

                Na política brasileira, o bom humor foi aposentado precocemente. O que sobrou foi a “lacração” barulhenta, feita sob medida para render likes e cortes de vídeo. No lugar da réplica espirituosa, temos gritos coreografados. No lugar do riso cúmplice, a grosseria gratuita. Antes, o parlamentar se preocupava em deixar legado. Hoje, preocupa-se em deixar trend no TikTok. Avanço civilizatório?

                Se Sebastião Nery tentasse escrever um Folclore Político do século XXI, talvez precisasse recorrer a stand-ups de quinta categoria — porque de graça já temos a timeline. Mas não foi sempre assim. Tivemos mestres da arte da leveza, parlamentares combativos, por vezes mercuriais, mas capazes de rir e fazer rir sem rebaixar o adversário: José Múcio, Marco Maciel, Arthur Virgílio Neto, José Genoino, José Dirceu, Delfim Netto, Jarbas Passarinho, Maurício Fruet (que embrulhava paralelepípedos como se fossem livros e mandava por Sedex a cobrar do destinatário — eis aí uma performance parlamentar digna de aplausos). Imagine um parlamentar atual tentando a mesma atuação: o Sedex não sairia da caixa porque algum assessor já teria pedido autorização prévia ao comitê de ética digital. Até Maluf, com seu humor peculiar, sabia rir de si e, pasme, fazer rir sem precisar de roteiro.

                Hoje, o sorriso foi colocado sob suspeita, como se rir fosse sinônimo de desrespeito. Brasília ficou sisuda, tóxica e, pior, entediante. Político sério demais corre o risco de virar busto de praça ainda em vida. A diferença é que o busto pelo menos não fala besteira em cadeia nacional.

                O que deveria ser arena de ideias virou ringue de tretas. Reabilitar o humor na política não é nostalgia, é higiene mental. O político que sabe rir com o adversário — e não do adversário — passa a mensagem mais poderosa de todas: está seguro de si.

                Quando a risada some, o diálogo empaca e sobra tempo apenas para brigas que não enchem barriga nem resolvem buraco de rua. O problema do político sem humor é que ele não só acredita na própria seriedade — como espera que você também acredite. E pior: cobra voto por isso.

                Política é coisa séria, sim. Mas justamente por isso, de vez em quando, merece uma boa gargalhada para nos devolver humanidade. Afinal, nada mais perigoso do que um político sem humor: ele acaba acreditando na própria seriedade.

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