O mal banal de cada dia

Em meu artigo “Guerra é Paz”, edição 1582, do último dia 12/10, aqui no JTV, abordei alguns aspectos do atual e desolador conflito entre Israel e o Hamas. Naquele momento, após o ataque terrorista do Hamas de 07/10, com cinco dias de confrontos, havia muitas incertezas sobre os próximos desdobramentos.

Naquele artigo, dentre outras considerações, chamei de estupidez as atitudes dos líderes de ambos os lados, mas ainda que o substantivo seja válido, não reflete a totalidade de suas personalidades, nem a pior face envolvida, da qual nem nós estamos isentos, frente aos horrores que testemunhamos.

Quando Hannah Arendt, filósofa e teórica política alemã, de origem judaica, naturalizada americana, após fugir da perseguição nazista da Segunda Guerra Mundial, escreveu “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”, não poderia ser mais precisa, ao descrever o que possa ser o pior mal de todos. O mal banal.

 A crença de Eichmann em sua inocência, tendo sido um dos principais responsáveis, durante a chamada “Solução Final”, foi o ponto fundamental para o livro de Arendt, dada a total indiferença com a qual ele se referia ao que dizia ser seu “trabalho”, como se não falasse sobre as vidas humanas que ajudou a encaminhar à morte, nos campos de concentração nazistas.

Em “A Confissão do Diabo: As Fitas Perdidas de Eichmann”, documentário que apresenta trechos da entrevista de Eichmann, registrados na Argentina em 1957, pelo jornalista holandês, ex-oficial nazista na Segunda Guerra Mundial, Willem Sassen, vê-se toda frieza de Eichmann, ao dizer que “não se importava se os judeus que ele enviou para Auschwitz vivessem ou morressem”, ou “Se tivéssemos matado 10,3 milhões de judeus, eu diria com satisfação: ‘Bom, destruímos um inimigo.’ Então teríamos cumprido nossa missão”.

É estranho pensar que o próprio Eichmann chegou a visitar a região palestina, em 1937, na intenção de enviar milhares de judeus para fora da Alemanha e que hoje o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, judeu, em nome da defesa do Estado de Israel, faz da Faixa de Gaza um campo de extermínio de palestinos. Que ainda tem em seu governo, — “suspenso”, desde o último dia 05/11 — a figura monstruosa do ministro da Herança e Relações de Israel, Amihai Eliyahu, que declarou à Rádio Kol Berama, que lançar uma bomba nuclear na Faixa de Gaza “é uma opção”, ao ser questionado sobre a possibilidade de tal ação para “matar todo mundo” — palavras do entrevistador.

Como negar a banalidade do mal, seja por parte do Hamas ou de Israel, o qual ainda que possua seu direito de defesa, notadamente, não demonstra qualquer tipo de sentimento, em relação ao povo palestino?

Para Hannah Arendt, o mal banal não é demoníaco, não está baseado em ódio, mas na indiferença sobre o outro. Daí, sua banalização.

O mal banal extrapola o indivíduo, massifica o comportamento de indiferença na sociedade, que passa a não refletir sobre a violência em suas diversas formas, tratando-as como banalidades. Surgem, assim, partidos e seus líderes com tendências totalitárias, fundamentalismos de todos os tipos etc.

E nós? Onde estamos, neste contexto? O quanto, todos os dias, de alguma forma, banalizamos o mal e agimos com descaso diante de exemplos como a guerra entre Israel e Hamas; Rússia e Ucrânia; ações indiscriminadas dos agentes públicos de segurança em suas operações; negligências com a saúde pública, à exemplo das verificadas durante a pandemia da COVID-19 em nosso país e tantas outras formas de indiferença em relação ao outro.

Há uma frase que é atribuída à Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.

Para Darcy Ribeiro, “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.

Nossas indiferenças, silêncios e resignações, só fazem alimentar o mal banal de cada dia.

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