ninho foi formado em algum ponto abaixo da saída, de modo que não o vejo, nem posso acessá-lo.
Os primeiros dias, após o nascimento das avezinhas, foram tranquilos, mas o que temíamos aconteceu.
Pela manhã, encontrei quatro deles, ainda de olhos fechados, desprovidos de plumagem, mas vivos, no fundo da churrasqueira.
Recolhi-os, improvisei um ninho e comprei nutrientes adequados. Alimentei-os, com auxílio de uma pequena seringa e os recoloquei numa estrutura improvisada, de volta ao interior da chaminé, pouco acima de onde estavam, na esperança de que a mãe volte a cuidá-los. Sigo atento a eles.
Lembrei-me, então, de um conto de autoficção, que escrevi há um tempo, cujo título dá nome ao artigo:
Aquele menino tinha menos de dez anos, quando aprendeu que a melhor forquilha era a de goiabeira, cuja flexibilidade dos galhos e lisura da madeira, davam conforto e resistência ao estilingue. Sem falar na maior facilidade para encontrar ângulos mais precisos, nas bifurcações da planta. — Essas eram as primeiras dicas que os meninos da vila aprendiam, quando o assunto era caçar passarinhos, coisa que os fazia serem mais respeitados em sua masculinidade.
—Viu o Cosminho? Voltou para casa cheio de rolinhas penduradas no ombro.
— Ele tem mira boa, difícil errar.
— Também… o par de mico está novinho. Arrumou lá na farmácia do Carlão.
— Passei lá, ontem, mas não tinha nem um pedaço decente. Fiz umas tiras de câmara de ar, mas não prestam.
— Tenho couro bom, que consegui lá no seo Antônio sapateiro. Depois, eu te dou um pedaço.
Sempre que o menino passava para o lado de lá da cerca que dividia a vila e a fazenda, aproveitava para procurar a forquilha ideal, de bom peso, bem balanceada e de punho mais grosso que os ramos superiores.
A molecada vivia praticando; às vezes no campinho, outras no quintal, com latinhas de vários tamanhos, que ficavam marcadas pelas pedradas de brita, porque tinha sempre alguém fazendo concreto, para erguer um cômodo, um muro… e um moleque para catar um bocado delas. — Mas só quando o dono não estava olhando.
Nem sempre dava para ir à rua, ou para o campinho, ou para a mata da fazenda, então sobrava apenas o quintal e as antenas das casas vizinhas, onde sempre um pardal ou uma rolinha pousava para descansar. Tinham as andorinhas também, mas diziam que as matar era pecado, então todos respeitavam. — Quanto às pedras lançadas perdidas, ninguém pensava onde cairiam.
Aquele menino sempre teve boa pontaria, fosse nas latinhas, nas caixinhas de fósforo ou até nos palitos usados, fincados na terra, mas quando o assunto era pardal e rolinha, só tirava fininha e nada de ser respeitado no estilingue.
Aquele menino estava decido a conseguir seu primeiro troféu de caça e o melhor seria abater um pardal, que por ser menor e mais rápido, provaria, de vez, sua habilidade de caçador.
Passava os dias treinando de tudo quanto era jeito e a pontaria só melhorava. O alvo desenhado com carvão, no muro dos fundos da casa, estava com a mosca toda esverdeada, porque, ali, seu pai não o deixava dar pedradas, então ele usava mamonas.
Foi em casa que aquele menino acertou sua primeira pedra num pardal.
Ele estava indo para o quintal, com estilingue à mão e uma pedra no couro, pronto para treinar, quando escutou o bater das asas de um pardal que pousava no jardim da frente.
Agilmente, o menino girou seu tronco, enquanto esticava a tripa de mico e soltou a pedra, que quicou no chão à frente do bichinho e o acertou no peito antes que ele conseguisse sair voando, ao perceber o som do estilingue.
A pedra nem era grande, — na verdade, bem pequena — mas foi suficiente para lançar o pobrezinho a mais de um metro do local da pedrada.
Entre eles, — caça e caçador —havia uns dez metros.
Quando o menino se deu conta do que tinha feito, desesperou-se. Quis voltar no tempo, nunca ter estado ali, não ter visto o pardal, nem lançado a pedra. O que antes era seu objetivo, seu sonho, tornou-se um pesadelo.
Contrito, o menino jogou para o lado seu estilingue, correu para junto do pardal e o pegou nas mãos, ainda com vida.
A avezinha teve o pequenino peito todo aberto. Seu sangue cobria suas penas e as mãos daquele menino.
O bichinho mal se movia e sua ferida expunha seu minúsculo coração, nos derradeiros batimentos. Agonizando, olhava para o menino que o segurava nas mãos e talvez, antes que a vida o deixasse totalmente, tenha lhe perguntado o porquê.
Os olhos do menino escorriam, sentia-se gelado e seu coração, ao contrário do pardal, batia rápido em sua garganta.
Era final de semana. O pai do menino não estava de serviço e na cozinha, começava a preparar o almoço, quando o menino chegou à porta e mostrou-lhe o bichinho em suas mãos trêmulas e tingidas de vermelho.
— Vichi! — Exclamou o pai, diante da cena.
Foi o pai quem ensinou ao menino, como fazer o melhor estilingue. Ensinou-lhe a atirar com ele, como posicionar a mão, ter cuidado para não se machucar com a própria pedra, ao lançá-la… Muitas vezes, — o pai e o menino — treinavam juntos no quintal e quando o menino saía para brincar na rua, apenas lhe dizia para ter cuidado.
Não era a primeira vez que o menino via um bicho morrer. Seu pai sempre fez questão de o ensinar como matar galinhas, patos e até coelhos. Enquanto faziam estas coisas, o pai contava algo sobre a própria infância e de como aprendera aquelas coisas com os avós do menino.
Ele também sempre disse ao menino que só se matava qualquer animal se fosse para comer.
O menino lembrou-se do Cosminho, que sempre voltava da caça com o estilingue no bolso e muitas rolinhas penduradas no ombro. — Diziam que era para a mãe dele cozinhar, pois eram muitos na família e não tinham quase nada, exceto a pobreza extrema.
O pai pegou o pardal das mãos do menino e disse para lavá-las no tanque.
Parou de fazer o almoço, pôs água para ferver e quando a fervura subiu escaldou o pardal. Tirou-lhe as penas, enquanto uma frigideira esquentava. Com ele limpo, juntou sal e limão e deitou o bichinho com jeito na frigideira, fazendo borbulhar o óleo.
Foi rápido como a pedrada.
Juntos à mesa, dividiram – como alimento – a pequena ave, que mal tinha carnes, mas não antes de um sinal da cruz.
O pai não ralhou, nem julgou, nem mandou jogar fora o estilingue.
O menino jogou os restos no lixo e foi para o quintal, enquanto o pai voltava para o fogão.
O menino pendurou seu estilingue num prego que ficava na parede de um coberto do quintal.
Tempos depois, o menino até tentou atirar pedras em latinhas, mas uma dor no peito o impedia.
A pedra que atingira o pardal, de alguma forma, alojou-se num canto do coração daquele menino e não poderia ser retirada.
O menino voltou o estilingue para o prego da parede e o deixou para nunca mais.