Podemos até discordar de Pelé, em razão de posturas pessoais por ele assumidas quanto ao não reconhecimento da paternidade da sua filha que, logo depois de tê-la reconhecida pela justiça, veio a falecer. Não sabemos por que Pelé adotou essa postura e não somos ninguém para estabelecer um juízo de valor ou mesmo julgar alguém, tarefa que compete à justiça humana e num patamar mais elevado à justiça divina. Contudo, não podemos desconhecer que Pelé é um patrimônio nacional, um embaixador do Brasil, sempre elevando sua voz para que o Brasil faça bonito na Copa, com o seu patriotismo sincero, de amor ao Brasil, de quem honrou a camisa verde e amarela enquanto brilhou nos campos, garantindo a fase de ouro do futebol brasileiro, especialmente com a conquista do tricampeonato em 1970.
Mas os tempos hoje são outros e sabemos que os sentimentos negativos do momento têm as suas justificativas, mas o rei Pelé, embora convalescendo de enfermidade, não perdeu a oportunidade de valer-se da oportunidade desse evento de alcance mundial que é a Copa do Mundo, e do seu reconhecimento internacional como melhor jogador do mundo, de publicar em suas redes sociais uma carta em que faz um apelo a Vladimir Putin, presidente da Rússia, para que o chefe de Estado encerre a guerra contra a Ucrânia, que já soma mais de 4.000 mortos entre vítimas inocentes e soldados de ambas as nações. O Rei do Futebol lembrou a partida da Ucrânia contra a Escócia, pela repescagem da Copa do Mundo para usar sua voz contra o que chama de um conflito “injustificável”, que não traz nada além de “dor, medo, terror e angústia”.
E o fato é que aos poucos vamos nos dando conta de que, apesar dos inúmeros problemas políticos e econômicos, e de um pessimismo que não é característico do povo brasileiro, o megaevento esportivo do mundial do futebol está acontecendo e contagiando muita gente, ainda que não como em outros tempos, pois o futebol, e de modo especial o futebol-arte, faz parte da identidade nacional. Afinal, como já disse Nelson Rodrigues, o Brasil é a pátria de chuteiras.
De qualquer maneira, embora concorde plenamente com o artigo do meu colega, o colunista Thiago Pontes, “Movidos por festividades?”, publicado nesta coluna, em que o ilustre articulista propõe uma séria reflexão sobre o impacto que esse tipo de festividade tem em nossas vidas, espero que a Copa seja uma catarse e possa fazer explodir a alegria do povo, e que esses dias sejam de entretenimento e confraternização, um antídoto natural contra a onda de violência que atinge toda a humanidade. E isto porque essa paixão do brasileiro pelo futebol é intrínseca à sua índole, e como lembra o poeta e cronista Carlos Drummond de Andrade, “futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma. A bola é a mesma: forma sacra para craques e pernas de pau. Mesma a volúpia de chutar na delirante copa-mundo ou no árido espaço do morro. São voos de estátuas súbitas, desenhos feéricos, bailados de pés e troncos entrançados. Instantes lúdicos: flutua o jogador, gravado no ar —afinal, o corpo triunfante da triste lei da gravidade.”
Por ora, pra frente Brasil!