Relembrando Trilussa

Tenho por Trilussa, pseudônimo anagramático de um poeta satírico, que quase só escrevia em dialeto romano, nascido Carlo Alberto Salustri, incontida admiração. Possivelmente por ter tido a oportunidade de ler e saborear os seus poemas mais maliciosos: “Ommini e bestie”, “L’amante de prima e quello d’adesso”, “L’illeggitima difesa”, “Er cinto di castitá” e outros. Sem nunca sair de Roma, escrevendo num dialeto falado em apenas algumas centenas de quilômetros quadrados, Trilussa tornou-se conhecido no mundo inteiro, ao ponto de estar o melhor da sua obra traduzida hoje em português, francês, inglês, espanhol, alemão, russo, grego, húngaro, polonês, tcheco e japonês, para citar apenas as traduções de que tenho conhecimento.

                Por este fato se vê que, ao contrário do que se pensa, a língua diferente jamais poderá servir de pretexto para separação entre os homens. Ao contrário, onde há boa vontade, criam-se afinidades e a pretensa barreira nem existe, como nos dá prova o exemplo de Trilussa.

                Essa leitura a fiz no dialeto do grande poeta e, também, na primorosa e criativa tradução do cronista, memorialista, ensaísta, tradutor, advogado, fundador do Departamento Cultural da cidade de São Paulo, político, professor, diretor de jornais e revistas, membro da Sociedade Paulista de Escritores, o saudoso Paulo Duarte (Versos de Trilussa, tradução de Paulo Duarte, terceira edição definitiva com mais de 24 poemas inéditos, Marcus Pereira Publicidade, São Paulo, 1973).

                Mas o objetivo desta despretensiosa crônica é transcrever um poema de Trilussa, com a finalidade didática de mostrar minha repulsa aos “socialistas” de plantão em nossa pátria e, de resto, em toda a América Latina, oportunistas e “espertalhões matriculados”. Com uma lábia especial e uma articulação de bastidores cheirando ao mofo dos regimes tiranos, ei-los ainda capazes de convencer e ganhar corações e mentes de jovens e até de alguns idosos que não se curam da doença juvenil do esquerdismo.

                “O Gato Socialista” é um poema da fase de difícil convivência de Trilussa com o fascismo italiano. Fase esta em que, como assinala Paulo Duarte, “…valeu-lhe (a Trilussa) o melhor de sua obra, os versos contundentes que se tornaram símbolo da inteligência italiana resistindo contra a ditadura, com a qual não é possível coexistir a verdadeira inteligência…”  Foi também a fase em que a vida do poeta tornou-se mais áspera, porque “os jornais tinham medo de publicar certas poesias; os editores não se atreviam a dá-las em volume. A renda diminuiu …”, mas não a poesia; tornando-se, pois, “esse o período mais produtivo do poeta” quando “as suas mais famosas sátiras foram então lançadas. Trilussa lia-as em qualquer ‘osteria’ (hospedagem) onde jantava e algumas eram até publicadas…”.

                Com vocês, meus caros leitores, uma das mais saborosas sátiras aos oportunistas que insistem em tratar toda a gente como gado manobrável, para os quais o pensamento divergente é motivo de “Listas” – por sinal, de jornalistas (poetas ou pessoas comuns) tão díspares entre si, pelo simples fato de que não agradam ao Falcão de plantão.

O GATO SOCIALISTA

Trad. Paulo Duarte

Um Gato, conhecido socialista,
no fundo, espertalhão matriculado,
estava devorando um frango assado
na residência de um capitalista.

Eis então que outro Gato apareceu
na janela que dava para a área:
– Amigo e companheiro também eu
faço parte da classe proletária!

Melhor do que ninguém, conheço as tuas
ideias. Estou mais que certo pois
de que dividirás o frango em duas
partes, uma pra cada um de nós dois!

– Vá andando, resmunga o reformista,
Nada divido seja com quem for,
em jejum, sou de fato socialista,
mas, quando como, sou conservador.

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