“Eu passava madrugada adentro escrevendo meus textos infantis em nossa humilde casa numa mesa de madeira ao lado de um fogão à lenha”, relatou o artista
Hoje, dia 24 de agosto, é o Dia do Artista, uma data especial para todos que moldam a sociedade com sua expressão artística, e o talento para trazer sentimentos positivos para todos. Para celebrar esse dia, o Jornal Terceira Visão realizou uma entrevista com o artista valinhense Alfredo Ribeiro, conhecido como Piu.
A jornada de Piu começou desde muito pequeno. Aos 13 anos ele já tinha escrito sua primeira peça, chamada “O Diamante Cobiçado”, que foi uma inspiração das comédias que ele assistia no Circo Irmão Almeida, na Rua 12 de Outubro, onde hoje é a UBS da Vila Santana. A peça foi escrita em parceria com três amigos, o Luiz Claudio Sabaini, Ernesto Cenzi e Paulo Pazzinato.
Mesmo não tendo dinheiro para entrar, ele e seus amigos retiravam as placas de propaganda do circo para assistirem aos espetáculos. Foi a forma encontrada de estarem no “mundo dos sonhos” descrito pelo artista.
A trajetória de Alfredo começou desde aquela época e seguiu até os dias atuais. São mais de 30 peças infantis escritas por ele, sempre acrescentando críticas sociais ao sistema e falando sobre a preservação da natureza, adicionando somente as coisas positivas.
Vivendo na época da ditadura, Piu teve peças censuradas. Mas ele e Mário Farci revolucionaram o teatro infantil da época, com o espetáculo “Bandinha Daimaginação”, que recebeu vários prêmios e críticas positivas da Folha de São Paulo, Jornal da Tarde e Estadão, quando estava em cartaz na capital paulistana, entre 1983/1984. A escritora de literatura infanto-juvenil, roteirista e tradutora de grandes obras russas, e responsável pela primeira adaptação para a televisão de O Sítio do Pica-pau Amarelo, Tatiana Belinky, declarou sobre a peça “Muito com pouco”.
“O sonho nunca termina, mas me sinto muito, muito feliz mesmo em ter conquistado o respeito por ter feito vários projetos dentro das nossas escolas, como diretor, ator e autor. Tive sempre o objetivo de não deixar as crianças da nossa cidade sem assistir teatro por mais simples que pudesse ser as mensagens”, declarou Piu.
Aos 65 anos, ele ainda possui muitos sonhos e objetivos para o futuro. Um deles é a vontade de ter seu espaço para realizar pequenos espetáculos, como teatro de fantoches, contação de histórias, esquetes que pudessem ficar em cartaz durante o mês inteiro, conhecidas como teatro de temporada.
“Nossa literatura infantil é uma das mais ricas do mundo”, ressaltou o artista. “O grande objetivo é não parar de sonhar, como disse Shakespeare: A vida é muito curta e complicada, então temos que nos cercar de grandes sonhos”, completou.
Confira a entrevista com o artista valinhense Alfredo Ribeiro:
Escolher a arte como uma carreira profissional sempre foi sua ambição?
Não! Coloco mais como a vontade de realizar um sonho, o sonho de estar no palco e pela paixão que adquiri pelo teatro infantil após ter representado Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado, com direção de Pedro Pazzinato, junto ao Grupo FENIX, do Rigesa em 1972.
Sua família apoiou essa escolha?
Para se ter uma ideia, meu irmão Adilson prestou vestibular para a EAD – Escola de Arte Dramática da USP, mas não passou. Aí foi para o Conservatório Carlos Gomes, de Campinas, estudar teatro. Logo depois, eu e o Mário Farci também fomos e nos formamos lá. Minha irmã já estudava Ballet e tornou-se professora da Casa de Cultura. Ela é atriz também. Eu fui o segundo professor de teatro na Casa de Cultura. Tínhamos que trabalhar para ajudar o sustento da família, mas sempre quisemos sobreviver da arte, ela esteve sempre embutida em nossas vidas.
O que a arte significa pra você?
A arte é o equilíbrio existente numa sociedade cada vez mais enlouquecida para adquirir bens materiais. Então entendo que a arte traz um pouco de alívio, ela tem o poder de transformação, faz as pessoas refletirem sobre os momentos que vivemos e nas horas mais angustiantes, como foi o caso da pandemia.
A arte traz um pouco de esperança para a sociedade de forma geral. O teatro infantil especificamente é uma arte essencial. Ele colabora com o desenvolvimento criativo, com senso crítico, reflexivo e pode ser um grande aliado da criança na educação.
Quais são seus projetos que estão em andamento? E para o futuro, já tem alguma ideia?
No momento estou focado com o trabalho dos idosos, no Centro de Convivência do Idoso, Roque Palácio, da Prefeitura Municipal de Valinhos, através do Projeto Oficinas Culturais nos Bairros, no qual sou contratado como oficineiro de teatro. O projeto de aulas começou no dia 13 de junho e em pouco tempo estamos colhendo frutos saudáveis com as apresentações da peça “O Casamento Caipira da Terceira Idade” e o “Recital de Piadas Folclóricas”. No mesmo formato, mas para faixas etárias diferentes, as oficinas também serão realizadas. Só está faltando alguns ajustes. Esse Projeto é do Centro Cultural Vicente Musselli.
Para o futuro, temos que continuar sonhando. Nós, autores, de teatro sempre ficamos imaginando realizar coisas novas.
Quais mudanças você enxerga nas artes desde o começo de sua trajetória?
Acho que o idealismo está menos presente de uma forma geral nas artes. A sobrevivência acaba fazendo muitos artistas se esquecerem dos ideais lá do inicio da sua carreira justamente por ter escolhido viver da sua arte, porque infelizmente não dá para viver só de idealismo num país que pouco incentiva as artes.
Somos privilegiados em Valinhos, por termos o Centro Cultural que oferece gratuitamente os mais variados cursos de artes e tudo de graça.
A cultura é importante para um país?
Com certeza! Um país sem cultura é um país sem história!
O que você diria para o pequeno Alfredo Ribeiro de dez anos?
Diria que ele escolheu essa profissão tão fascinante, em que temos a oportunidade de representar, com nossos personagens, o sofrimento, a alegria do povo, e ver o riso estampado no rosto da criança, da plateia e fazendo da emoção apenas uma “veia de energia”. Não se esqueceria de dizer que ele não escolheu essa profissão, ele foi escolhido por Deus para essa profissão.
Para os jovens que sonham em seguir carreira na arte, quais seus conselhos?
É difícil dar conselhos para artistas, né? Mas como em toda profissão, primeiramente seria estudar. Estudar com pessoas de referência para não cair nas mãos de aventureiros com cursos que dizem transformar os jovens em artistas em três meses. Não é tão simples assim ser ator, mesmo que o talento seja nato.
Qual a sensação que você tem ao olhar para trás e ver tudo já conquistado por você?
Me orgulho muito dos projetos “O Teatro na Educação” 11, que aconteceu de 2013 a 2016, na gestão Clayton Machado, quando nenhuma criança – desde a primeira idade até o 5º ano do ensino fundamental – ficou sem ver teatro infantil, contação de história, teatro de bonecos, pelo menos três ou quatro vezes por ano. O mesmo aconteceu na gestão Orestes Previtale, em 2019, com o projeto “O Teatro vai à Escola”. As peças eram sempre elaboradas com temas adequados a cada faixa etária, quando somamos quase mil apresentações nesses dois períodos.
Meu currículo é bastante extenso, com mais de uma dezena de prêmios de âmbito nacional, estadual e municipal. Formei vários artistas que hoje são professores e produtores, como Luciano Corrêa, que é professor do Centro Cultural; os produtores Meire Moraes e Renato Grecco, entre tantos outros.
Viajei por várias décadas com minhas peças, percorri 50 cidades por ano, e conquistei o último prêmio no ano passado quando eu e o Mário Farci ganhamos o 1º Prêmio do Concurso Literário de Manaus, na categoria Álvaro Braga, com a peça infanto-juvenil “Cadê o Arco-Íris que estava aqui?”
Entendo e acredito que, independente dessa premiação e de toda essa intensa atividade, por ter dirigido aproximadamente 100 espetáculos e formado muitos atores, posso afirmar com muita convicção que esses projetos que citei acima foram com certeza o maior movimento de teatro nas escolas em Valinhos de todos os tempos, não só aqui, mas em toda região, me arrisco em dizer, talvez do Estado de São Paulo.