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A ponta do iceberg

Quando publiquei meu último texto aqui, aquele sobre o uso de inteligência artificial nas escolas, ainda não sabíamos que o governador planejava utilizar a ferramenta para preparar materiais. Essa notícia circulou poucos dias depois e me senti como um guru que prevê temas importantes, diante da chuva de comentários sobre o assunto. Foram muitos comentários que se dividiram entre a defesa da ação pela gestão de recursos e a crítica severa pela desvalorização da educação, afinal, muitas pessoas sentiram que os filhos seriam ensinados pelo ChatGPT. Pretendo seguir a segunda linha de raciocínio, mas desta vez, o foco não é a tecnologia.

Quando alguém considera produzir materiais por uma inteligência artificial, na verdade, o movimento é de redução de custos associados à educação. Indo além: com pouco dinheiro, a prioridade deixa de ser a educação. O movimento de desvalorização não é muito diferente de pensar que o aluno vai aprender somente com o material, já que se desconsidera que há um profissional apto a realizar o trabalho entre o livro e o estudante. Material nenhum ensina os alunos sozinhos, pode ser o melhor dos sistemas de ensino. Experimente dar um livro didático a uma criança ou adolescente comum e depois questioná-lo sobre um determinado assunto. No máximo, umas “decorebas”. Entretanto, essa é apenas a ponta de um grande iceberg.

Essa lógica de diminuir os profissionais é, portanto, estrutural. Ela nos atravessa “sem querer querendo” quando não estamos atentos às nossas falas. Que professora nunca ouviu em uma reunião de paz o clássico “mas a senhora trabalha ou só dá aulas?”. Vou além mais uma vez: existem outros tantos profissionais quando falamos de sistema educacional no mundo. Chamados, às vezes, de “estudantes profissionais”, há pessoas que se dedicam a um assunto a ponto de pesquisá-lo como carreira, para posteriormente, ensinar outros interessados na faculdade. É a pós-graduação, que no Brasil, não é uma profissão. Esses acadêmicos vivem de bolsas e auxílios, sem carreira regulamentada pela CLT e, logo, sem direitos trabalhistas. Já fui uma e convivi com muitos que compartilham da experiência familiar de ouvir que seu primo mais novo já ganha mais que você sem terminar os estudos. E ainda dá para piorar. Depois de 12 a 15 anos pesquisando um assunto, eles não são ouvidos. Você já deve ter visto um filme de ficção científica em que um pesquisador é ignorado após descobrir uma futura catástrofe. E aconteceu de novo. A tragédia no Rio Grande do Sul foi avisada por muitos pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina. Mas a voz da educação nunca é ouvida, nunca parece prioridade, nunca tem valor. Da pré-escola ao doutorado. Da professora ao acadêmico. Somos todos atravessados por essa lógica.

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