Descrente da nossa humanidade, buscava dialogar com Deus, revoltado com o andar da carruagem que é este mundo, tentando uma barganha: que Ele, em sua infinita sabedoria e em seu imenso amor por este plano humano que criou, trocasse os cocheiros dessa carruagem, permitindo que fossemos mais bem governados e que todos, governantes e governados, enxergássemos a Sua presença e ouvíssemos a Sua voz e pudéssemos viver em paz, tratando-nos como irmãos e, se não fosse possível tanto, pelo menos como seres participantes de uma sociedade única e, portanto, preciosa.
Mas, como diria Vieira em seus “Sermões”, querer argumentar com Deus e convencê-lo com razões, não só dificultoso assunto parece, mas empresa declaradamente impossível, sobre arrojada temeridade.
E, para minha surpresa, apesar de toda a violência que nos cerca, apesar de todo o descrédito que colho dos recentes acontecimentos, apesar da frustação de ver triunfar certas injustiças, apesar de tudo, constato que ainda há lugar para coisas boas, para que a vida tenha sentido, floresça, cresça, ainda há lugar para a humanidade, para o amor. Ainda que por vias transversas acredito que tenha sido ouvido pelo Altíssimo.
Num almoço em família, todos reunidos, pai, mãe, filhos, netos, constato, com renovada esperança, que a vida tem sentido, posto que a família é a célula deste tecido social tão esgarçado e que na sociedade humana ainda existe lugar para o amor.
Não podemos deixar de ter presente que a casa é uma simples construção de cimento e tijolos, enquanto que o lar é uma construção de valores e princípios, sendo o amor de família a coisa mais inexplicável do mundo, nem um pai consegue dizer para um filho o quanto o ama, nem o filho sabe dizer isso ao pai, então simplesmente demonstram essa afeição, construindo, aos poucos um laboratório onde se pratica o amor, o respeito, a fé, a solidariedade, o companheirismo e outros sentimentos! É na família que encontramos o lugar onde aqueles que caíram podem se levantar, onde descortinamos o cenário onde o perdão triunfa sobre a mágoa e a reconciliação prevalece sobre a hostilidade. É na família que acontece o repente de amor que se espelha por gerações e deixa no tempo as marcas dos membros que a compõem.
Como se vê, ainda há esperança. Há tempo para a família, para a amizade, para o sentido da vida, para a celebração do amor. Apesar de tudo!…