Do Museu do Amanhã voltamos a pé para o navio e, embora exaustos, transbordávamos felicidade, pois constatamos que somos todos poeira de estrelas, ostentando nesse frágil esqueleto matéria, vida e pensamento, compartilhando o código básico que define as características de todos os seres vivos. Rememoramos ou aprendemos que a matéria da qual somos feitos é a mesma que formou o sistema solar e a própria Terra, vez que nossos corpos são feitos de elementos abundantes no planeta: somos 65% de oxigênio e 18% de carbono.
Com essa ideia e com fome, fomos diretos para o almoço no restaurante do 10º andar, que apelidamos de “bandejão” porque é mais prático e rápido em servir do que o luxuoso restaurante de gastronomia gourmet.
Sentados em um dos deques, contemplando o mar e degustando a excelente comida de bordo, conversávamos com uma jovem e bonita passageira, Ranoika, mãe de dois garotos, o Bernardo de 7 anos e o Benjamin de 3 anos, os quais já me referi anteriormente.
Debatíamos as transformações pelas quais o mundo está passando e o choque cultural advindo das alienações das pessoas e, sobretudo, do impacto dessa propositada indiferença aos temas da vida e, também, pelo crescimento de posturas maldosas praticadas por pessoas de índole cruel, de caráter desumano. E, para ilustrar essa situação, resolvi contar uma crônica que publiquei sobre o caráter da natureza humana, envolvendo um escorpião e um sapo.
Nessa estória, o escorpião, passeando por uma floresta, vê, no outro lado da margem de um rio, uma graciosa escorpiã. Todo assanhado, resolveu que deveria conquistá-la, motivado principalmente pelo fato de que a coquete escorpiãzinha havia lhe lançado uma piscadela. Mas, para isso, teria que atravessar o longo e caudaloso rio. E ele não sabia nadar. Como resolver essa situação?
A esta altura, o Benjamin já estava no meu colo, interessado e ouvindo atentamente a estória. Da mesma forma o Bernardo. E ambos sob o olhar complacente da orgulhosa mãe.
À vista do manifesto interesse dos meninos, confesso que me empolguei e emprestei entusiasmo à estória, entoando a voz e diferenciando-a quando me referia ao escorpião ou ao sapo.
O fato é que o escorpião conseguiu contar com a ajuda do sapo para atravessar o rio, o qual, embora relutante, o carrega às costas, mas é picado por ele, vindo a morrer e, consequentemente, também o escorpião. Antes de morrer o sapo disse ao escorpião que ele lhe havia prometido não o picar. E em razão disso ele também iria morrer pelo fato de não saber nadar. E perguntou ao escorpião qual a razão de ele ter agido assim. E o escorpião respondeu ao sapo:
— Pois é. Realmente eu me comprometi com você. E falhei em cumprir a minha promessa, não correspondendo à confiança que você depositou em mim. Agora você vai morrer, eu também vou morrer e não vou me encontrar com a linda escorpiã, meu maior desejo. Mas o que eu posso fazer. Eu não resisti. Afinal de contas, essa é a minha natureza!
Os garotos ficaram extasiados. E eu alegre porque a estória caiu e germinou em solo fértil.
Com efeito. Logo após, Cristiano, o pai dos meninos chegou e se juntou a nós. Aí o pequeno Benjamin me questionou seu eu poderia repetir a estória para o seu pai. Ao que lhe repliquei:
— Não, Benjamin. Quem vai contar essa estória para o papai é o Bernardo!
E o Bernardo topou o desafio e contou a estória com todos os detalhes, numa narrativa estruturada e ordenada, acrescentando ao final, a sua interpretação quanto à moral que dela devia ser extraída, enfatizando que não podemos confiar em pessoas de má índole, desonestas, de mau-caráter.
Impressionado com o poder de apreensão e interpretação do Bernardo tive a fé reacendida no aprendizado dos jovens, desde que tenham eles orientação e supervisão adequadas, tanto por parte dos pais, quanto por parte dos professores.
Eu não poderia deixar de compartilhar essa estória com vocês meus queridos leitores pelo profundo impacto que senti com esse interesse e desenvolvimento intelectual desses meninos que têm o acesso ao celular controlado pelos pais, tanto para o que devem assistir quanto para o tempo que podem dispor para isso. Pais que devem se sentir orgulhosos dos filhos que irão entregar ao mundo e a quem eu rendo homenagem por esse empenho na educação dessas tão educadas e estimadas crianças.
E, com essa estória, a nossa viagem chega ao fim, já com um gostinho amargo de saudade, saudade dos shows no primoroso teatro, principalmente do “Venezia Innamorata”, da pizza napolitana e dos chopes tomados no convés, dos drinques no bar temático florentino, saboreados ao lado de marcantes companhias, do café expresso e do “cappuccino”.
Ah, um conselho para os que utilizam adoçante: levem adoçante líquido, pois regulam para servir o “dolcificante” italiano, assim como o “edulcorante” espanhol que, na verdade, deve ser pedido como “sacarina”. Não sei porque essa muquiranice!