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Nas Brumas de Brumadinho, gritos de Mariana

Passados 5 anos da maior tragédia humanitária de nossa história, quero falar sobre Brumadinho, mas não sem antes recuar um pouco mais no tempo.

Em 05 de novembro de 2015, quatro anos antes da catástrofe de Brumadinho, ocorrida em 2019, outras localidades mineiras sofriam seus dramas.

Naquela época, em uma de minhas redes sociais, escrevi:

— No Fundão das Gerais, um mar de lama se formava.

Resíduos d’uma história de reinos e ganância.

Mariana, outrora, jovem abastada, guardava lembranças da antiga importância.

De suas riquezas, a coroa se fartou. Capital que foi, hoje, acabou.

Deixou-se levar; cavar; usurpar. Extraíram-lhe tudo.

Oca, parece ter estremecido de fraqueza e num movimento repentino, rejeitou as sobras e vomitou aquilo que a afogava.

Agoniza e sofre, pelo abuso sofrido.

E sofrem seus filhos, mães, pais, avôs e avós. E sofrerão, ainda, tantas outras Marianas e Bentos também. E outros filhos e tantas e tantos outros.

Nem “Santa”rém; nem santo algum, protegeu Mariana.

Donde virá sua redenção? Virá?

Na ocasião, mais de quarenta milhões de metros cúbicos de rejeitos do processo de extração de minérios, amargaram o Rio Doce e seus afluentes, até alcançarem as águas do oceano Atlântico, já em sua foz, no Espírito Santo, onde o sabor lacrimal do mar representou todo luto da natureza em prantos.

Quase 50 cidades sofreram consequências, derivadas daquela tragédia, que resultaram em dezenove mortos por soterramento, centenas de desabrigados e uma tristeza incomensurável, pelas vidas ceifadas e os imensos danos ambientais — alguns tão irreparáveis, como as mortes.

A Bento Rodrigues, de Mariana, deixou de existir e dela, hoje, só restam ruínas.

Em novembro de 2023, oito anos se completaram e não obstante às ações da Fundação Renova e dos inúmeros programas indenizatórios criados, ninguém foi condenado.

Quatro empresas, — Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR — mais 11 pessoas, seguem impunes e nunca responderão por homicídio ou lesão corporal, segundo decisão da justiça “mineira” — ironia, sim.

Somente em 2023, passaram a residir na nova Bento Rodrigues, — 10km distante de sua localização original — parte dos atingidos, em 168, dos 248 imóveis que foram prometidos às famílias desalojadas. Um projeto estéril, sem graça, insensível, inacabado e incapaz de aplacar o sentimento de perda dos sobreviventes da antiga Bento Rodrigues.

Mauro PIMENTEL / AFP

Em 2015, Mariana foi mensageira do que ainda veríamos em 2019, na Brumadinho, mas ninguém a ouviu gritar, ou aqueles que a ouviram, fizeram-se de moucos.

Sucedeu-se, então, na região do Maciço do Espinhaço e início do Tabuleiro do Oeste, onde as brumas são comuns, nos amanheceres, que uma outra e maior tragédia ocorresse.

Às 12h28 de 25 de janeiro de 2019, rompeu-se a barragem da Mina Córrego do Feijão.

Foram 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos, despejados com uma força avassaladora sobre a bacia do Rio Paraopeba, em Brumadinho. Se em quantidade de rejeitos os números foram menores que os de Mariana, em vidas perdidas foram titânicos e brutais, com 270 mortos, dentre os quais, duas grávidas.

Ainda há três desaparecidos, de quem as famílias não se despediram, até hoje.

Trezentos quilômetros do Rio Paraopeba, afluente do Velho Chico, foram contaminados. A pesca segue proibida e não se recomenda o uso da sua água bruta, desde Brumadinho até Pompéu. Alumínio, bário, cádmio, chumbo, cobre, ferro, arsênico e mercúrio continuam sendo encontrados, nas amostras de peixes, em quantidades elevadas e prejudiciais às vidas destas espécies e da humana.

Em certo grau, cada um de nós é responsável por estas e tantas outras tragédias semelhantes pelo mundo.

Nosso modo de vida, baseado na exploração e no consumo desenfreado dos recursos naturais, nos condena, todos os dias, ao colapso ambiental e, por conseguinte, humano.

Tanta lama nos cobre, de incontáveis crimes e impunidades, que parece mesmo que viemos do barro, ou talvez nunca tenhamos saído dele.

Nas brumas de Brumadinho, gritos de Mariana ainda ecoam, somados a muitos outros, — inclusive este — mas quase ninguém quer nos ouvir.

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