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Os sobreviventes

O primeiro mês do ano foi marcado por uma importante mudança no código penal brasileiro. Desde o dia 15 de janeiro, tornou-se crime no país a prática de cyberbullying. O que isso significa? A princípio, que a importunação recorrente por meios virtuais pode ter como consequência uma multa ou a prisão de dois a quatro anos, em casos mais graves. Essa medida é uma forma de complementar uma ação lá de 2015, quando o bullying foi criminalizado.

Enquanto as gerações anteriores se vangloriam de terem vivido em um tempo “mais legal”, em que se podia brincar com o outro à vontade, estamos mais restritivos, inclusive, sob pena judicial. Eu tenho certeza de que você, leitor(a), já ouviu alguém dizer que recebia apelidos na escola e não teve problema nenhum, que era motivo de risadas e não morreu. Salvas as consequências inconscientes desses processos, parece que há uma certa glória em ser um “sobrevivente” ou “alguém que aguentou tudo isso e não morreu”. Não sei você, mas eu prefiro viver a sobreviver.

Em um dos meus últimos aniversários, uma amiga dos tempos da saudosa 5ª série A me enviou seus parabéns. Respondi rapidamente e, em alguns momentos, estávamos rindo das histórias do passado. Não é de qualquer passado, porque mais de vinte anos depois, existe um sobre o qual não falamos e é justamente a 5ª série, o ano em que dividimos histórias de bullying que hoje renderia longas audiências, no mínimo. Foi preciso terapia para estarmos aqui hoje, já que infelizmente, há muitos casos em que o futuro não foi o mesmo que o nosso. São muitas crianças que desistem e digo isso me valendo de um eufemismo. Não é só um apelido, um dedo apontado, uma risada. É uma cultura que se perpetua na segurança de que, em todas as salas, haja um menino acima do peso “engraçado” ou alguém cuja socialização é um desafio, tornando-a alvo de imitações. São esses e outros inúmeros estereótipos que buscam sustentar a prática de um grupo dominante que, esperançosamente, vai crescer e se arrepender. E os outros? Os outros sobrevivem às marcas: não porque são fracos e se importam com minúcias, mas porque são humanos e sentem a dor do não-pertencimento.

Até 2015, os termos “Bullying” e “cyberbullying” figuravam por aí, especialmente no ambiente escolar, mas no papel. Eram variados papéis, é verdade – livro didático, campanha comunitária e cartolina nos corredores -, mas nunca mais que isso. As escolas em que a discriminação era veementenmente – ou aparentemente – combatida se vangloriavam disso para atrair matrículas. Foi só há 9 anos e, novamente, há 20 dias, que se colocou os termos em um papel mais importante, dando a eles o holofote que merecem. Bullying e cyberbullying é considerado crime hoje, mas existe há muito tempo.

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