Medida visa revogar lei do século 19 e evitar processos contra mulheres que interrompem a gravidez; proposta ainda passará por outras etapas legislativas
Nesta semana, o Parlamento do Reino Unido deu um passo importante ao aprovar, por ampla maioria, uma proposta que visa descriminalizar o aborto na Inglaterra e no País de Gales. A medida busca impedir que mulheres continuem sendo investigadas ou processadas com base em dispositivos legais do século 19, ainda em vigor mesmo após décadas de legalização parcial da prática.


Atualmente, o aborto é permitido no país há quase 60 anos, desde que realizado até a 24ª semana de gestação e com a aprovação de dois médicos. No entanto, após esse prazo, mulheres ainda podem ser acusadas com base na Lei de Ofensas Contra a Pessoa, de 1861, que prevê até prisão perpétua para quem interrompe a gravidez fora das regras. A proposta aprovada nesta semana pretende acabar com esse risco legal.
A votação, que ocorreu em clima de liberdade partidária, sem obrigatoriedade de orientação dos partidos, terminou com 379 votos a favor e 137 contrários. A emenda, apresentada pela deputada trabalhista Tonia Antoniazzi, ainda poderá sofrer alterações ou ser rejeitada, pois faz parte de um projeto mais amplo de reforma da legislação penal, em tramitação nas duas casas do Parlamento: a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes.
A parlamentar justificou a proposta com dados recentes: nos últimos cinco anos, mais de 100 mulheres foram investigadas por supostas interrupções da gravidez — muitas delas em casos de partos prematuros, abuso por parceiros ou uso de pílulas abortivas em casa. Esse número cresceu após a pandemia de Covid-19, quando o uso doméstico de medicamentos abortivos até a 10ª semana passou a ser permitido.
“Cada um desses casos é uma tragédia permitida por uma lei ultrapassada. Isso não é justiça, é crueldade, e precisa acabar”, declarou Antoniazzi durante a sessão.
Apesar do apoio majoritário, a proposta gerou críticas de parte da bancada conservadora. A deputada Rebecca Paul, por exemplo, alertou que, com a mudança, “bebês totalmente formados poderiam ser abortados sem consequências”. O texto, no entanto, mantém a criminalização de profissionais de saúde que realizem procedimentos fora das normas médicas estabelecidas.
Especialistas britânicos e entidades como o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists têm defendido a revisão da legislação, argumentando que a criminalização do aborto viola os direitos das mulheres e é incompatível com os avanços científicos e sociais do século 21. Segundo dados da instituição, apenas três mulheres foram condenadas entre 1861 e 2022, mas seis foram processadas nos últimos dois anos — evidência de uma tendência de endurecimento.
Entre os casos mais emblemáticos está o de Nicola Packer, de 45 anos, que foi julgada recentemente após usar pílulas abortivas prescritas por médicos, quando sua gravidez já estava em torno da 26ª semana. Ela foi absolvida após quatro anos de investigação.
A proposta agora segue para novas deliberações no Parlamento e tem como objetivo alinhar a legislação britânica à de países como França, Canadá e Austrália, onde o aborto é tratado como questão de saúde pública, e não criminal.