A trajetória de imigrantes pioneiros no empreendedorismo que compõe a história da comunidade valinhense
A história de Valinhos não poderia ser contada sem mencionar o legado do italiano Ferruccio Celani, fundador da primeira fábrica de papelão do município e grande responsável pelo desenvolvimento da economia local. Sendo assim, o Jornal Terceira Visão realizou uma entrevista com Segismundo Romano José Celani, conhecido carinhosamente como Dino Celani, que estava com 95 anos e ainda participava das decisões da empresa fundada pelo seu pai. Ele faleceu na noite desta terça-feira, dia 6.


Ele concedeu entrevista ao Jornal Terceira Visão no dia 19 de maio e contou que seu avô veio da Itália, era militar e, com o fim do século e a penúria vivenciada no país, resolveu migrar para o Brasil. Ele montou um hotel em São Paulo, que não teve sucesso, e decidiu enviar a família de volta para Roma enquanto ele buscava oportunidades em Belém do Pará. Na época, a avó de Dino, junto com alguns amigos, pegou um barco conhecido como paquete e viajou para Manaus com o objetivo de montar uma confeitaria. O sonho surgiu devido à construção do magnífico teatro em Belém do Pará, realizado pelos Barões da Borracharia, e seria um excelente negócio empreender em uma confeitaria próxima a esse ponto cultural.
O pai de Dino, Ferruccio Celani, chegou a São Paulo e trabalhou na área de construção e em um ateliê fotográfico, onde se interessou pelas artes e estudou desenho no Liceu de Artes e Ofícios, que atualmente funciona como a Pinacoteca do Estado de São Paulo. Quando começou a ter uma folga financeira, ele começou a investir em quadros e chegou a ter uma coleção com mais de 300 obras. Quando a situação melhorou, a família Celani comprou uma chácara em Valinhos, interior de São Paulo, onde cultivavam árvores frutíferas. Na época, possuíam 4.000 viveiros, 800 figueiras, 70 pereiras e 70 mangueiras.
Ferruccio Celani trabalhava em uma empresa de papel em São Paulo, que era de propriedade do capitalista Conde Ceciliano do Rio de Janeiro e do Barão de Vasconcelos. Iniciaram, portanto, as melhorias no imóvel e foi quando o pai de Dino conheceu uma cerâmica, que pertencia a seu Horácio, que estava atravessando a crise de 29 e por este motivo a área estava sendo vendida. Foi então, que seu Ferruccio achou o local para fundar a fábrica de papelão compacto no município, hoje conhecida como Cartonifício Valinhos.


Portanto, a luta começou em 1934, quando Ferruccio Celani comprou a área da cerâmica, com a ajuda de empréstimo junto ao seu pai, irmã e cunhado, pois não tinha recursos. Comprava ferro velho, aqui e ali, e conseguiu montar a fábrica. Porém, exaurido de recursos e sem capital de giro, arrendou a fábrica por um período de 10 anos, e assim surgiu a primeira fábrica de Valinhos, pioneira e fortalecida a cada ano de sua história.
Dino Celani, filho de Ferruccio, conta que estudou fora por um longo período e, durante muito tempo, conduziu o escritório da fábrica diretamente de São Paulo. Mas adotou Valinhos desde sempre e afirma que Valinhos é sua vida. Dino Celani conta que a família sempre esteve presente nas ações da igreja de São Sebastião, que ele frequentava muito a ferrovia por conta de despachar as frutas.
Ele ainda lembrou, durante a entrevista, da Avenida 11 de agosto que no período tinha a adutora que vinha de Vinhedo e ia para Campinas, que foi motivo de grandes discussões na época da emancipação, mas que o prefeito Arildo conseguiu resolver as questões e ficou para Valinhos. “Não tinha Avenida dos Esportes e a gente brincava nos tubos da adutora da avenida 11 de agosto. Tempo bom!”, acrescentou.


Dino Celani se emocionava a cada lembrança, como os bons tempos do campo de futebol do Clube Atlético Valinhense onde hoje é a rodoviária, local que chegou a coroar a rainha dos trabalhadores, dos bailes que aconteciam aos sábados e domingos na cidade e de quando frequentava com sua família a igreja velha, antes da demolição e construção da Matriz de São Sebastião.
Quanto à emancipação, Dino Celani acompanhou e apoiou, porém não participou das lutas, pois o cenário foi conduzido por dois blocos: os “paragatas” e “gravatinhas”. Quando estudava em São Paulo, ele participou ativamente dos protestos contra Getúlio e se engajou no partido União Democrática Nacional, que tinha como candidato o Brigadeiro Eduardo Gomes, pelo qual ele fez muita campanha.


Retomando a história do Cartonifício Valinhos, a fábrica foi uma das primeiras recicladoras de papel do Brasil e, depois de muitos anos, o mercado de papel reciclado se tornou um auge no mercado. Hoje, a empresa trabalha com papel, chapas de papelão e caixas, contando com aproximadamente 240 funcionários, entre contratados e terceirizados, e já atua no mercado há 88 anos. São mais de 2.000 colaboradores que já passaram pela fábrica e seguiram sua história.
A empresa se orgulha, segundo Dino Celani, por apoiar e patrocinar eventos culturais, esportivos e sociais da cidade, e ele se sente muito feliz em proporcionar tudo isso para a população de Valinhos.


Outra lembrança que tem, que conta como contribuição da família Celani, com o impulso do Cartonifício Valinhos e a presença do Padre Bruno Nardini, aconteceu em 1949, época em que morreu o escritor Monteiro Lobato e sua avó Maria Antônia Celani. Dino Celani conta que o dono das mídias, na época, Assis Chateaubriand, era amigo de Cândido Fontoura (Tio Candinho), dono das propriedades de terra que beirava a Rodovia Dom Pedro, e que juntos iniciaram a Campanha de Redenção da Criança no Brasil. Na ocasião, a família Celani doou um terreno para a fundação de um posto de puericultura na Rua Itália, onde atualmente funciona a Secretaria de Cultura de Valinhos.
Dino foi presidente por duas vezes da Associação de Proteção à Infância de Valinhos, que era uma entidade da igreja, e também presidente da Associação Italiana de Valinhos, na época do Brasil 500 anos, onde, por meio do Cartonifício, proporcionou à cidade de Valinhos diversas exposições e atrações culturais.
O Cidadão Honorário de Valinhos, Dino Celani, é pai de Patrícia, Maria Gabriela, Alessandra e Fernando, tem 8 netos e está casado há 58 anos. “Conheci minha esposa em uma viagem que fiz para a Europa, com a qual casei em Málaga, na Espanha, que fica na região da Andaluzia, e estamos casados há 58 anos. Algo raro nos dias de hoje”, contou emocionado.
Apesar de sua idade avançada, Dino ainda mantém uma rotina ativa. Ele começa o dia um pouco mais tarde, desfruta do sol em seu jardim e, ocasionalmente, visita a fábrica nos finais de semana, já que sua condição física não permite ir todos os dias. Além disso, ele dedica tempo à leitura, assiste televisão, especialmente canais espanhóis, e cuida de suas orquídeas. Sempre que possível, ele faz passeios para desfrutar da vida.
Ao ser questionado sobre o significado do empreendedorismo, Dino enfatiza que nem todos possuem essa habilidade. Ele compartilha um conselho valioso para os jovens empreendedores: estudar incansavelmente e ter muita determinação. Esses são os pilares que o guiaram em sua jornada de sucesso. A história de Dino Celani e sua família é marcada por contribuições significativas para a comunidade de Valinhos. O Cartonifício Valinhos, uma das primeiras recicladoras de papel do Brasil, continua sendo uma empresa importante no mercado de papel, chapas de papelão e caixas. Com aproximadamente 240 funcionários, entre contratados e terceirizados, e uma trajetória de 88 anos, a fábrica já teve mais de 2.000 colaboradores que seguiram seus passos.

