“O ‘homem de bem’ é um cadáver mal-informado. Não sabe que morreu”, Nelson Rodrigues.
O dia amanheceu meio nem lá, nem cá, mas já cobrando o seu preço.
Depois de uma semana internado na UPA, eu só queria a minha cama.
Eu, pensar em ir ao banco? Minha vontade era a de continuar ali; imóvel, sem nem piscar, com a carcaça esticada. Não tinha sequer o desejo de lavar o rosto ou limpar os cantos dos olhos.
Por mim, eu não iria. Não sei o que pensam, mas eu só vou a bancos em último caso.
Continuei parado, como se dormisse, mas a luz do quarto foi acesa e não tive escolha.
O jeito era levantar, ainda que totalmente desanimado.
Tinha uma sensação de que meu corpo seguia sem mim.
Não me lembro de banhar-me, barbear-me, escovar os dentes, ou vestir-me.
Cueca, bermuda, meias nos pés, o par de tênis e a camisa azul me vestiram, cobrindo partes de mim, que já não se alegravam ao serem vestidas para sair. Coisa mais sem razão.
Foi como se tudo tivesse sido feito por outra pessoa, que não eu.
Acho que não comi, mas não tinha fome, nem sede, nem vontade de urinar, ou coisa do gênero.
Foi um custo para me ajeitar na cadeira de rodas, — bem mais que das outras vezes. — O corpo não queria ir.
O tempo avançava no mostrador do relógio e dizia que se eu não fosse para o banco, não daria tempo. Eu pensava: Que tempo?
O motorista de aplicativo chegou e parou rente ao meio-fio. Sem perceber, eu já estava sentado ao seu lado, indo para o bendito do banco. O mais estranho é que não tenho a mínima ideia do trajeto até o estacionamento do shopping, que fica perto da agência bancária, — lugar ruim de estacionar — a quase meio quilometro.
Sem a lembrança do café da manhã, já na hora do almoço e ainda tinha o raio do banco. Pra quê?
Por mim, eu pediria para o motorista voltar para casa ou iria até algum lugar, comer alguma coisa, mesmo sem fome. Apenas por hábito.
Outro custo para me sentar na cadeira de rodas. As pernas não respondiam, os braços estavam pesados e a cabeça que não firmava.
O calçadão tem espaço para tudo, mas sempre pouco para uma cadeira de rodas e alguém que chacoalha sobre ela, enquanto avança para o banco.
Onde estava minha cabeça, na hora que fiz aquele empréstimo? Dinheiro maldito!
Banco, em Bangu, nunca está vazio, mas como prioritário e do jeito que eu estava naquela cadeira de rodas, não deveria demorar. Ledo engano.
A papelada do empréstimo, para sacar a grana, estava sobre a mesa, bem na minha frente, só esperando eu assinar igual no documento. Mas sabe quando você sente algo diferente?
Minha cabeça pendia, o braço não ia, a mão não queria pegar a caneta…
A moça do banco falava algo sobre o SAMU, mas eu não estava nem aí. Nem lá, eu acho.
Só sei que passou um tempo, — algo entre o papel do empréstimo, a cadeira de rodas, a caneta insistente e o SAMU.
— “…o senhor tá ouvindo? O senhor precisa assinar. Se o senhor não assinar, não tem como. Eu não posso assinar pelo senhor. Tem que ser o senhor… Assina para não dar mais dor de cabeça.”
Até polícia teve, por conta da porcaria do empréstimo, só porque eu não assinei.
Eu estava ali, sem entender nadinha.
Na minha cabeça, para dizer a verdade, eu não estava nem aí. Nem lá. Eu estava em casa, na cama, cobertinho, com tudo fechado e a luz apagada para sempre.
Sabe como é aquela daquele filósofo? Um tal de Nietzsche: “Morrer é duro. Sempre senti que a única recompensa e não morrer nunca mais.”