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Sociólogo analisa consequências sócio-políticas da queda do Muro de Berlim

A derrubada da barreira, em 1989, a unificação alemã e hegemonia neoliberal ainda impactam os rumos mundiais, segundo o professor Guillermo Valdes

Por Bruno Marques

Neste 9 de novembro completa-se 35 anos da queda do Muro de Berlim. Devido à data celebrada de um dos eventos históricos mais importantes dos últimos tempos, esta reportagem entrevistou Guillermo Valdes.
Formado em Ciências Sociais, ele atua como professor de História e de Sociologia. Assim, o docente forneceu uma análise precisa e profunda sobre o assunto.

Professor Guillermo, você tinha 10 anos quando aconteceu. Tem lembranças desse momento tão histórico? Se sim, quais?

As primeiras memórias das pessoas da minha geração são pela televisão. Comigo não foi diferente. Lembro vagamente do Pedro Bial falando algo que parecia bastante importante, e uma multidão nas ruas comemorando.
Embora ainda não entendesse bem o que aquilo representava, aquelas cenas ficaram na minha memória. Apenas no ano seguinte, durante a Copa do Mundo de 1990, vencida justamente pela Alemanha unificada, comecei a entender melhor o que estava ocorrendo.
Talvez o fato de eu ter completado meu primeiro álbum de figurinhas da Copa tenha me ajudado a me interessar mais pela história daqueles países.

Como sociólogo, qual análise sócio-política você pode fazer sobre as consequências da queda, a reunificação da Alemanha, a derrocada da Cortina de Ferro e o avanço da ocidentalização com a economia neoliberal?

Acredito que, aliada às teorias sociológicas ou históricas, a arte é imprescindível para nos fazer entender um fato social ou um acontecimento histórico. Um ano antes da queda, Cazuza lançou o álbum Ideologia, onde a faixa-título do disco já previa o que seria o mundo pós-Guerra Fria. Quase como um grito de alerta, ou um pedido de socorro, Cazuza dizia “Ideologia, eu quero uma pra viver”.
Essa foi justamente a principal consequência da queda do muro e do fim do chamado socialismo real: a introdução do chamado pensamento único. Desde então, qualquer retórica contrária à capitalista é descartada e até ridicularizada. Com a dificuldade de se apresentar propostas que busquem a superação do capitalismo, o neoliberalismo se apresentou como a única via econômica.
A consequência é que, diferente do que ocorria antes, essa ocidentalização se dá a partir de um consumismo sem limites, gerando um desenvolvimento tecnológico e um crescimento econômico responsáveis pelo aumento do abismo econômico e social entre os mais ricos e os miseráveis.
Outra consequência igualmente prejudicial é a destruição ambiental, já que esse consumismo ocidental caminha no sentido oposto ao da proteção do meio ambiente.
Nesta perspectiva, quando temos governos que, além da prática neoliberal, têm uma política de ataque, por exemplo, a acordos e resoluções mundiais que buscam essa proteção, o planeta responde com a mesma violência: os desastres climáticos têm nos mostrado isso nestes últimos anos.

Em Realismo Capitalista, lançado em 2009, Mark Fisher pontuou que a partir da queda do Muro de Berlim, o neoliberalismo se estendeu e se consolidou como meio político cada vez mais hegemônico. E, apesar das inúmeras crises e contradições, ficou “mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”. O que você acha disso?

É curioso o quanto, desde o ano de 2000, se anunciou o fim do mundo. Acredito que justamente a dificuldade de enxergar uma alternativa política real ao capitalismo no imaginário popular, ainda que inconsciente, faz com que as pessoas não consigam encontrar uma saída para os seus problemas e os do planeta no mundo real.
Por isso, inclusive, as pessoas vêm procurando cada vez mais o auxílio religioso para essas frustrações: igualmente, nunca se anunciou tanto a volta de Jesus quanto nas últimas décadas.
Ou seja, justamente após a derrocada do socialismo real, que como já foi dito era a alternativa real às mazelas do capitalismo, fica difícil imaginar um cenário onde, politicamente, o capitalismo seja superado.
Isso se agrava também com a crise de identidade de muitos partidos políticos de esquerda por todo o mundo, que buscam propor soluções para reformular o capitalismo, e não mais para superá-lo.
Como professor, como tem sido o entendimento dos alunos em relação a um episódio tão importante – e decisivo – da história mundial, e que, apesar de recente aos olhos da História, não tem precedentes nem efeito de comparação aos mais jovens? Há compreensão do que este motivou a queda e o que ela representou?

Geralmente, o entendimento histórico é bastante superficial. Isso porque as pessoas buscam entender qualquer fato histórico isoladamente. Antes de entendermos a queda do muro de Berlim, precisamos compreender porque ele foi construído.
Assim como todo fato histórico do século passado, ele se explica desde pelo menos a revolução industrial. Como assim? Desde então, o capitalismo se consolidou, fazendo com que a burguesia e os países imperialistas prosperassem economicamente explorando as riquezas dos países por eles invadidos e a mão de obra escrava ou barata de seus habitantes.
Essa disputa imperialista, sobretudo pela África, fez com que as potências europeias se envolvessem em duas guerras mundiais. Enquanto isso, as teorias socialistas e comunistas prosperavam como soluções ao capitalismo. Após 1945, os EUA se consolida como a maior potência econômica capitalista, enquanto a URSS buscava colocar em prática o socialismo real.
A Alemanha, responsabilizada pela 2ª Guerra Mundial, é dividida pelos países vencedores em quatro zonas de influência, três capitalistas (EUA, Inglaterra e França), e outra socialista (URSS). Berlim, assim, é dividida em duas: uma capitalista e outra socialista, tornando-se um espelho da Guerra Fria.
Desde 1948, com o Plano Marshall, o EUA passou a financiar a reconstrução econômica da Europa capitalista destruída pelas guerras, enquanto a URSS com Stálin se fechava para o mundo com sua Cortina de Ferro e seu capitalismo de Estado.
Assim, Berlim Ocidental passou a ser a menina dos olhos desta reconstrução capitalista, fazendo com que, a partir dos investimentos estadunidenses, se desenvolvesse muito mais do que a Berlim Oriental. Tentando interromper a saída massiva dos moradores da capital alemã do lado oriental para o lado ocidental, da noite pro dia o muro foi construído pelo governo socialista na cidade, tornando-se o principal exemplo da disputa ideológica da Guerra Fria.

E como você busca explicar a queda do Muro de Berlim e suas consequências?

Primeiro, e principalmente, pelo desastre que foram os governos socialistas tanto da URSS quanto da Alemanha Oriental. De exemplos mundiais de como a nossa sociedade poderia se desenvolver sem a chamada exploração do homem pelo homem, elas se tornaram ditaduras criminosas que, ao invés de combater as mazelas do capitalismo, se tornaram o que chamamos de capitalismo de Estado.
Seus burocratas se igualaram aos capitalistas, enquanto a população mais pobre, assim como nos países capitalistas, também empobreceu. Segundo, pelo avanço econômico do outro lado do muro que já mencionei, já que, mesmo com toda a censura governamental, chegava ao conhecimento de seus moradores.
Assim como o muro foi construído da noite pro dia em 1961, causando espanto em todo o mundo, ele também foi destruído 28 anos depois, causando outro tipo de espanto em todo o mundo.
No entanto, embora extremistas como Trump queiram construir novos muros, ou que outros ainda existam, como o que segrega os palestinos, por exemplo, o neoliberalismo e seu pensamento único vem construindo, desde a queda do mais famoso deles, um outro tipo de muro, responsável justamente por impedir que novas alternativas ao capitalismo sejam conhecidas e discutidas. Invisível, ele é, de certa forma, ainda mais poderoso que os muros de tijolos e concreto que podem ser derrubados da noite pro dia.

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