Escrevo este artigo, aqui de Lisboa. Por isso, de início, pensei em falar sobre os autores portugueses, como Camões, Fernando Pessoa, Saramago, — o qual faria 101 anos, neste 16 de novembro — Lídia Jorge, que acaba de ganhar o importantíssimo Prémio Médicis Étranger, João Tordo etc. Entretanto, no Brasil, uma polêmica envolvendo o Prêmio Jabuti, deste ano, me fez mudar de ideia.
O Jabuti é um dos mais importantes e cobiçados prêmios literários de nosso país, o que faz dele uma imensa vitrine para diversos profissionais do mercado literário brasileiro.
Neste 65° Prêmio Jabuti, quatro eixos — Literatura, Não Ficção, Produção Editorial e Inovação — englobam uma vasta quantidade de categorias, incluindo a mais recente de todas que irá premiar um escritor ou escritora estreante.
Das tantas categorias que o Jabuti premia, há uma que deu e tem dado o que falar, nesta edição.
Na categoria Ilustração, o clássico de Mary Shelley, Frankenstein, editado pelo Clube de Literatura Clássica, figurou entre os 10 semifinalistas e foi aí que a discussão começou.
A capa do livro, sem dúvida, é belíssima, assim como as ilustrações de seu interior, o que justificaria, sim, sua indicação, não fosse por um “detalhe”: A elaboração contou com auxílio de uma ferramenta de Inteligência Artificial — Midjourney, uma IA generativa de imagens.
Para que a capa e ilustrações internas fossem produzidas, Vicente Pessôa, designer gráfico, alimentou a ferramenta, conduzindo-a, até que obtivesse o resultado desejado.
Quando a escritora inglesa, Mary Shelley, entre 1816 e 1817, escreveu Frankenstein, tinha apenas 18 anos de idade, mas sua genialidade se mostra imensa até hoje.
Na obra de Shelley, o personagem Victor Frankenstein, um jovem cientista, dá vida a um ser feito a partir de partes de cadáveres humanos, retirados de cemitérios.
A criatura de Victor, composta de um bizarro quebra-cabeça humano era horrível e incontrolável, o que o levou ao arrependimento por tê-lo criado.
Sem avançar no trágico desenrolar da trama de Frankenstein, atenho-me às semelhanças entre a capa indicada ao Jabuti e o monstro do Dr. Victor.
O brilhante cientista da obra de Mary Shelley, não imaginava as consequências de sua criação. Diante da possibilidade do novo, encantou-se.
Os caminhos que a IA seguirá, sob nosso domínio — espero — são ainda um tanto imprevisíveis.
Para o jovem Victor Frankenstein, sua criação tornou-se um monstro, porém não passava de um ser incompreendido e sem controle.
Não vejo muitas diferenças entre o monstro de Frankenstein e as atuais ferramentas de IA, constituídas de partes mal definidas, incompreendidas, limitadas, soltas pelo mundo e cujos criadores não sabem bem o que criaram.
Pessoalmente, fico aliviado pelo fato de saber que a CBL — Câmara Brasileira do Livro — decidiu retirar a indicação da capa da edição do Clube de Literatura Clássica desta premiação.
Acredito que exista espaço futuro no prêmio, para uma nova categoria, capaz de abrigar este tipo de expressão, a qual ainda não sei dizer se é artística.