O fim no capô de um carro e A Hora da Estrela

“Como assim? Estive com ela ontem?”, “a vi dias atrás”, ou “falei com ela ainda há pouco”. Não são incomuns expressões como essas sobre vítimas que, repentinamente, têm suas existências ceifadas.
Sorrateira e implacável, a “senhora” da longa capa preta e da afiada foice fica numa espreita permanente. E ao ignorar algozes de muita gente, e ser algoz de outras tantas, nos mostra claramente que não existe justiça.
Um acidente de trânsito que acabou sendo fatal, em um local onde praticamente todos passam, exemplificou, de forma dura e dilacerante, a brevidade da vida e como as redes sociais te repercutem, mesmo estando morto.
Uma mulher solteira, sem filhos, de 57 anos, e fisicamente muito ativa, frequentando academia, participando de procissões, e fazendo caminhadas por ruas da cidade até que, em mais um desses passeios a pé, foi violentamente acertada pela condutora de um carro.
Em uma cidade que tem carros demais, seu sangue ficou no asfalto, sob incontáveis pneus de borracha sem apagar a dor.
Foi socorrida em estado grave para a Santa Casa, onde se constatou um traumatismo craniano. Apesar de orações e projeções, a moradora de um bairro chamado Boa Esperança, faleceu. Seu fim, fez lembrar o fim de Macabéa, personagem cujo livro também marcou o fim de sua autora, Clarice Lispector.
Curiosamente, Clarice morreu um dia antes de completar 57 anos. A mesma idade da vítima tema deste texto.
E, como em A Hora da Estrela, é somente pelo seu fim trágico que os holofotes da atenção social destacaram a vítima do atropelamento. Isto é, nenhum feitio de nobreza, nenhum ato de caridade ou conquista de qualquer espécie em vida teve tanta comoção quanto a tragicidade da sua morte.
“A sua vida aqui se encerra com uma nota curta nos jornais”. Paralamas do Sucesso em O Calibre.

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