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Comprei e fugi

Desde muito cedo, antes de meus 4 anos, acompanhava meu pai às compras do mês.

De casa até o armazém, dava uns 2km, caminho que fazíamos a pé, sem pressa, num ritmo compatível com o tamanho de minhas pernas.

No trajeto, conversávamos e colhíamos mangas, goiabas ou amoras, a depender da época.

Naquele tempo, minha mãe ainda não nos fazia companhia, coisa que só passou a ocorrer depois que meu pai conseguiu comprar um Fusca 1972.

O armazém supria as necessidades básicas de nossa casa, medidas pela soma do fiado acumulado na caderneta de compras.

Ao lado do meu pai, aprendi o valor de cada item e daquilo que podia ficar na prateleira. Deixar o saquinho de pó artificial sabor uva para o suco, era melhor escolha do que usar um sabão em pedra para o banho, em lugar de um sabonete.

As aulas de negociação eram bem interessantes, ainda que os donos do armazém sempre ganhassem. Às vezes, até cediam e um raro desconto era dado, mas só quando meu pai abatia parte do saldo devido.

A volta para casa era feita na Kombi de entrega, junto às compras, mas apenas se tivéssemos paciência para esperar que ela fosse carregada com a dos outros clientes e fossemos os últimos do roteiro.

Esta semana, fui a uma dessas lojas autônomas; sem atendentes, caixas e cujos donos nunca se encontram.

Num falso container climatizado, arrisco dizer que havia mais itens que no armazém de minha infância.

O ar-condicionado do lugar marcava 21°, mas a frieza da experiência, reduzida ao pegar, pagar e sair, causou-me uma sensação térmica negativa.

Exceto pelas câmeras do lugar, não havia ninguém para me observar, opinar sobre minhas escolhas, ou negociar os preços.

Dentro desses lugares, há quase uma obrigação de consumo. Afinal, quem entra nessas lojas, cujas portas automáticas se fecham para manter o frio, não foi para passear, nem colher mangas, goiabas ou amoras pelo caminho.

A coisa é uma ratoeira, que não mata, mas nos constrange ao consumo.

O leitor de código de barras pisca 24 horas, a implorar pelo seu uso.

Oprimido, comprei e fugi.

Ontem, fui ao mercado e meu neto, de pouco mais de 2 anos, quis me acompanhar.

Conversamos, ouvimos canções que sempre nos divertem, plantamos e colhemos afetos, pelo caminho.

Durante as compras, comentei sobre cada item. Os necessários e os não. Repassamos a lista feita pela vovó, para não faltar nada. Falamos sobre os desejos dele; das coisas que ele nem conhecia, mas que lhe chamaram a atenção, para as gôndolas e prateleiras. Repassei a ele o que me foi ensinado, repartido.

Pessoas nos observaram, interagiram e nesse convívio ele deu mais atenção às relações, do que às coisas.

No final, pedi que pagasse e dei-lhe meu cartão do banco. De início, se recusou, até eu explicar que o dinheiro sairia de minha conta e que ele não precisava se preocupar. — bom, vovô. — Disse-me, como quem havia entendido.

— Custou 2, vovô. — Valor que ele sempre repete, quando o assunto é quantidade de qualquer coisa.

Pedi que dissesse que era no “crédito”, agradecesse e se despedisse da atendente do caixa.

Na volta, pediu para ouvir o “Peen” e cantamos “Don’t Stop Me Now” do jeito dele.

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