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Meio-termo

Entre diversos aspectos peculiares da nossa cultura, gosto particularmente da difundida noção de que o ano só começa mesmo depois do Carnaval. É como se existisse um acordo tácito de que não daremos o nosso máximo até que passe o feriado de quatro dias destinado a fazer festa em qualquer lugar, mas principalmente na rua. Por isso, essa semana é especial: os departamentos começam a tocar projetos grandes, enquanto a escola determina que vai cair na prova o que se aprenderá a partir de agora. Quero me deter, contudo, nos aspectos culturais da data.

Polarizadora, a festa divide os acadêmicos da Netflix e os Unidos da Farra desde a época em que não existia streaming. Sua importância vai, inclusive, além de um divisor de produtividade. Historicamente, o carnaval é considerado um momento de catarse da nossa sociedade. Essa palavra é parte da filosofia aristotélica e significa um processo de purificação por meio de uma descarga emocional. É como se nossas almas se lavassem de glitter e suor para expurgar as energias negativas e poder começar o ano bem. Mas que papel assumem crianças e adolescentes nesse ritual? Os pequenos vivenciam mais um episódio de alegria que se confunde com o lúdico do cotidiano: matinês, bailinho escolar e uma fantasia para acompanhar os pais significam a celebração da vivacidade infantil. Agora, para os adolescentes, tudo é muito emblemático. Ouvi diversas vezes na escola que, para eles, as festinhas promovidas pela instituição eram chatas porque não eram carnaval de verdade.

A questão é, como parte da fase, eles buscam pertencer à sociedade por meio da vivência da catarse dos adultos. Eles não querem mais a roupa de fada ou de Batman para dançar “mamãe, eu quero”. Eles querem se misturar aos adultos nas ruas para a experiência que de “sexo, drogas e rock’n roll”. Defendo os ritos de passagem e a importância de educá-los para a vida real, onde tudo isso existe, mas as estatísticas mostram o consumo de álcool e de drogas no período de forma desenfreada por jovens longe dos tutores, além de relações desprotegidas. Afinal, se os adultos podem fazer desse modo, essas atitudes parecem formas eficazes de se mostrar “crescido”.

Podemos discutir inúmeras causas e consequências desses jovens agindo como adultos, dentro ou fora do Carnaval, mas a questão aqui me parece é que falta entretenimento, também dentro ou fora do Carnaval, para quem não é criança, mas também não é adulto. Esse “meio-termo” se torna um horror aos pais que não sabem o que fazer. Talvez parte da vontade de se encaixar advenha do fato de que faltam espaços destinados a eles. Quem gosta de ir ao restaurante e ter muitos adolescentes pelas mesas? Qual a sensação de ver um grande grupo de adolescentes andando pelo shopping? E como é vista uma festa com muitos deles? Os adultos não sabem lidar. Falta entretenimento, espaço e olhar para eles. Imagine uma festa de carnaval para adolescentes sem bebida, com espaço instagramável e músicas adequadas? Ou por que não um bloco mais jovem? Será que, se houvesse uma atividade voltada para adolescentes – assim como há para crianças -, eles estariam buscando experiências adultas perigosas? Será que se sentiriam tão desconfortáveis na própria pele se houvesse espaços seguros para eles?

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