Funcionária da Delegacia da Mulher da cidade contou que em pelo menos 50% dos registros de violência, as vítimas são menores de idade
Por Bruno Marques
Escrivão é a profissão que trabalha na formalização e documentação de inquéritos policiais. Um dos agentes da autoridade policial, é responsável por conferir legitimidade às atribuições de polícia judiciária no esclarecimento de crimes e demais ocorrências. E, nessa posição, de relatar ocorrências policiais, o profissional está exposto a inúmeras histórias que, além de mãos para digitar, é preciso muito estômago e forma mental para sobreviver nessa função.
Função esta que é desempenhada por Valdires do Nascimento Vidoto, de 50 anos, 30 deles dedicados ao trabalho como escrivã na Delegacia de Valinhos. Em entrevista concedida ao Jornal Terceira Visão na Delegacia da Mulher de Valinhos pela ocasião do Dia da Mulher (8 de março), ela contou algumas dessas histórias e sobre o extenuante trabalho.
Ouvir e escrever: Ouvidos, mãos, mente, coração e estômago…
Valinhense, Valdires estudou e passou em concurso para a profissão em 1993. “Antes eu trabalhava como secretária e recepcionista em escritório. Minha família veio da roça. Fiz três meses de academia da polícia em São Paulo, passei e até hoje estou na função que completo, este ano, três décadas de trabalho”, contou.
Profissão que está exposta a não só ouvir, mas também escrever e oficializar fatos escabrosos, a escrivã foi perguntada pela reportagem sobre os casos mais chocantes que registrou e se emocionou. Imediatamente à pergunta, lágrimas arderam seus olhos por se lembrar do que considerou ser o Boletim de ocorrência mais delicado que registrou.
“Ele vai me matar!”
“Foi logo que foi criada a Lei Maria da Penha, em 2006. Fizemos um registro de uma moça. Lembro que ela era negra, magra. Denunciou que seu marido era agressivo, que estava em outro estado e disse que, quando voltasse para Valinhos, iria matá-la”, relatou. Segundo Valdires, a mulher pediu, desesperada, por uma medida protetiva e esta lhe foi negada. Por uma juíza.
Aflita, a escrivã se lembrou: “Com a proteção negada, ela teve que se mudar de casa, mas mesmo assim o marido a encontrou e a matou. Fiquei muito triste e indignada, pois a voz dela ficou ecoando na minha cabeça: Ele vai me matar!”
“90% dos abusos a mulheres adultas e crianças são cometidos dentro da própria família”
Testemunha relatora de dissabores sociais todos os dias, Valdires lembrou ainda de outros casos revoltantes. “Teve um estupro a uma menina de três anos cometido pelo próprio pai há cerca de sete ou oito anos. Aliás, 90% dos registros de abuso são cometidos dentro da própria família. E, em pelo menos 50% deles, a vítima é menor de idade”, afirmou.
Outros casos notórios de violência contra a mulher registradas nos anais de Valinhos – que nunca devem ser esquecidos – foram relembrados o do brutal assassinato da psicóloga Emely Tófolo Machado, de 27 anos, em 2000 – que ficou ser solucionado pela polícia -, e da influencer Bruna Quirino, de 38 anos, assassinada a facadas pelo marido no apartamento em que viviam, em 2018.
Por fim, Valdires concluiu que, apesar dos ossos do ofício, os companheiros de trabalho e até as vítimas que procuram a DDM se tornaram amigos e parte da sua família. Ela reforçou a importância de se denunciar, registrar e dar continuidade às queixas de violência contra a mulher.
Delegacia da Mulher
A DDM de Valinhos está situada na Avenida Onze de Agosto, nº 2499, na Vila Embaré. O telefone é 3869-3786.