Se você é capaz de estourar a bolha das redes sociais para fugir de comentários de BBB, indicações a Oscar e manifestações políticas, você deve ter encontrado uma outra polêmica recente: o recolhimento da obra “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, das escolas públicas do país. Em resumo: a diretoria de uma escola do Rio Grande do Sul publicou uma crítica à obra, chamando-a de inadequada para o uso no Ensino Médio em razão do uso de palavras de baixo calão. A obra foi, então, confiscada e está passando por um processo.
Não quero aqui entrar no intuito da obra – que, além de legitimada por um prêmio Jabuti, é de uma sensibilidade impecável -, mas no que está por trás desse tipo de atitude.
Sempre que vejo essas discussões sobre obras adotadas em escolas, minha primeira atitude é rir. Já fui muito questionada sobre livros e materiais usados em sala, mas quem convive com adolescentes sabe que eles usam diversas palavras de baixo calão: faz parte de uma cultura que vê a linguagem violenta como enfrentamento e, portanto, é natural que, na fase do enfrentamento da sociedade, essas palavras sejam muito usadas. “Mas não podemos incentivar ou normalizar” – quem diz isso parte do pressuposto que mais me incomoda na educação, o de crianças e adolescentes são vazios e atuam pura e simplesmente por repetição.
Quantas vezes não nos perguntamos “onde será que ele(a) aprendeu isso? Foi na rua? Na escola?”? Pode até ser, mas pasmem: crianças e, principalmente, adolescentes são capazes de criar. Eles fazem associações, conseguem ser críticos e argumentativos. Pensar que ao ver uma palavra de baixo calão, uma fala preconceituosa ou uma atitude equivocada irá incentivá-lo reforça a ideia de educação do início do século passada, segundo a qual o estudante é apenas uma tábula rasa e o professor deve dar-lhe o conteúdo a fim de “preenchê-lo”. Precisamos vê-los como mais do que isso e explorar a nossa própria capacidade de conversar sobre situações e atitudes problemáticas. Imagine se utilizássemos a leitura de palavras de baixo calão para discutir seu significado e sua inadequação em determinadas situações? Ou se pudéssemos, após assistir ou ler uma cena de preconceito, discutir por que aquilo é problemático? Seria muito produtivo. Contudo, para isso, seria preciso entender que adolescentes não são papagaios ou gravadores reprodutores, mas sujeitos de direitos com pensamento próprio e crítico.