Não é raro que sejamos questionados sobre nossas origens, antes mesmo de perguntarem nossos nomes, sempre que estamos fora de nosso país.
A conhecida pergunta, — De onde você é? — em geral, fala mais sobre nós do que nosso nome próprio.
Essa questão, quase que é capaz de nos definir inteiramente, para a maioria daqueles que a fazem e que sem a menor cerimônia, nos classificam, rotulam e estabelecem barreiras pré-constituídas, sejam físicas ou subjetivas.
Mesmo os falantes de nacionalidades distintas, mas que possuem um idioma em comum; seja o português, inglês, espanhol, francês etc., enfrentam inúmeros julgamentos.
Talvez, um bom exemplo de como se dão os julgamentos, até entre falantes de uma mesma língua, possa ser a origem de nosso gentílico: o substantivo comum “brasileiro”.
Se a regra gramatical tivesse sido seguida, em nosso caso, seríamos “brasilenses” ou “brasilienses” e não teríamos o sufixo “eiro” ao final de nosso gentílico designativo.
O sufixo “eiro” refere-se às profissões; como a de baleeiro, para quem explorava a pesca das baleias; pedreiros, que exploravam o comércio de pedras e brasileiros, que extraíam e comerciavam o pau-brasil.
Durante muito tempo, a expressão “brasileiro” soou pejorativa, pois referia-se à gente dada ao “fazer brasil” — extração — e ao trato do pau-brasil — tráfico —, por conta dos danos e desordem de tais tarefas.
Brasileiro, portanto, não era uma referência a quem nascia por aqui, mas a quem trabalhava nestas terras. Os nascidos aqui, de relações miscigenadas entre portugueses e negros e com nativos dos povos originários, não possuíam uma designação gentílica.
Alguns documentos do final do século XVIII, já utilizavam o vocábulo “brasileiro” como gentílico, contrariando a gramática e perpetuando um certo preconceito sobre nós, incluindo sobre o próprio imperador Dom Pedro I, à época da Independência.
Lusófono, que sou, acredito numa cidadania da língua, de força integradora das várias culturas que nosso idioma abrange, mas temos visto que nem todos pensam da mesma forma, principalmente parte do povo português, que tem se posicionado contra o movimento de imigração de brasileiros para Portugal.
Ora… Há pouco mais de 500 anos, tal pensamento não os incomodava e não tenho conhecimento de que tenham pedido algum tipo de permissão para pisarem em Pindorama, de onde só fizeram explorar nossas riquezas, reduzir a população dos povos originários, utilizar-se de trabalho escravo e outras atrocidades, bem conhecidas.
Dos brasileiros imigrados para Portugal, sabe-se o quanto contribuíram para o desenvolvimento daquele país, que se encontrava envelhecido e carente de trabalhadores dispostos a reerguer sua economia com força produtiva e de consumo.
Ocorre que a ex-colônia, — tão explorada — tornou-se maior de quem a tanto explorou e isso é difícil de aceitar.
Mas isso, creio, não seria um problema para nós, pois aprendemos através de nosso processo de formação histórica miscigenada, que podemos crescer mais, quando aceitamos receber os que aqui desejam viver, trabalhar e compartilhar suas culturas.
Além dos portugueses que para cá vieram; suíços, italianos, alemães, japoneses, espanhóis, imigrantes do Oriente Médio, russos etc., trouxeram inúmeras contribuições para o Brasil.
A história humana não começou há 524, 2.000, ou 10.000 anos, mas muito antes disso, há 2,5 milhões deles.
Nossa atual e única espécie de hominídeos — Homo sapiens — fez sua trajetória de povoar a Terra, como migrantes.
É fácil deduzir que qualquer movimento migratório se dê por desconforto, dado que somos seres poupadores e não gostamos de gastar nossa energia, quando temos nossas necessidades fundamentais atendidas. Migramos porque algo nos descontenta e nos impele a migrar em busca de melhores condições de vida e sobrevivência. Guerras, pestes e fome, estão entre as principais causas de nossos movimentos migratórios.
Mas por que, então, a cada dia, as nações se tornam mais e mais fechadas para os imigrantes?
Em todos os lugares do mundo, — uns mais, outros menos — erguem-se barreiras e fecham-se portas para quem não encontra outra opção, exceto a imigração, diante dos mesmos problemas que há milênios nos levam a tal caminho.
Dentre as mais de 20 espécies de hominídeos, nós sapiens, tornamo-nos únicos, nos últimos 10 ou 12 mil anos, após o desaparecimento dos neandertais e denisovanos, últimos a coexistirem conosco, segundo as mais recentes pesquisas.
Quando os sapiens chegaram à Europa, os neandertais já estavam por lá a mais de 200 mil anos, mas ainda assim eles foram superados, enquanto espécie.
É bem possível que os sapiens — nós — tenhamos vencido está “batalha” por termos desenvolvido maior capacidade de nos relacionarmos em grupos maiores e mais organizados.
Olhando para trás, parece que nossa principal habilidade e sapiência para chegarmos até aqui, se não for continuada poderá nos levar à própria extinção.
Em um mundo dito globalizado, a pergunta “Where are you from?” deveria ter como resposta: — I’m from Earth. I’m earthling. I’m sapiens. Ou melhor: A pergunta nem deveria existir.