“Todo dia ela faz tudo sempre igual. Me sacode às seis horas da manhã. Me sorri um sorriso pontual. E me beija com a boca de hortelã”.
A primeira estrofe de uma das mais geniais letras de um dos maiores compositores da música brasileira ajuda a entender um pouco de algo tão precioso e, ao mesmo tempo, volátil: o agora.
Isso porque a impecável estética de rimas e versos de Cotidiano – um dos maiores clássicos da MPB, lançada em 1971 – somada ao embalo de um ritmo tão tipicamente brasileiro é atemporal.
E assim o é porque Chico Buarque teve a visão perspicaz do cotidiano, e seus momentos, junto com sua incrível e inegável habilidade verbal e musical. Ele eternizou momentos. Dele e de incontáveis.
Momentos que se tornam passado em um piscar de olhos, em uma folhinha virada, em um story de redes sociais, ou em quaisquer das nossas banalidades diárias. A questão é: estigmatizamos tanto o passado e aspiramos tanto o futuro que o agora vira um presente que nunca é aberto.
Buscamos estabilidade financeira no dia a dia. Num looping louco, não medimos esforços pra ter dinheiro, pra não faltar dinheiro, pra pagar com dinheiro, e que, sem dinheiro, não temos mais valor num mundo que não dá valor a quem não tem dinheiro.
Mas e nossas riquezas inestimáveis? Família, filhos, pais, amigos? Aqueles cujas palavras, sorrisos, abraços e risadas que, apesar não ter custo, muitas vezes não recebem o devido crédito. E a inadimplência desse débito não tem hora pra ser cobrado.
De um dia para o outro, de uma hora para a outra, as pessoas que você mais ama – nem que sejam as únicas – vão te abandonar. Seja por uma ação delas, seja pela inevitável, inegociável e incomparável morte. E ter a consciência disso, por mais duro que seja, torna o agora este precioso e único momento.